Cinema - SANGUE NEGRO (BROTA SANGUE DO CORPO ÁRIDO)

SINOPSE
No início do século 20, no Texas, Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis), um magnata do petróleo, tenta ensinar ao filho H.W. Plainview (Dillon Freasier) princípios que, na sua visão, considera importantes como família, ambição e riqueza nos negócios. Porém, ele terá de enfrentar o fato de que o filho começa a simpatizar com trabalhadores socialistas e seus ideais.



O fato de Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007) estar sendo comparado a Cidadão Kane é um evidente exagero, justificado pela ansiedade da mídia em eleger novos clássicos adultos numa Hollywood cada vez mais infantilizada. É um exagero, mas há na comparação certa razão: o incensado drama épico de Paul Thomas Anderson trata, como a obra-prima de Orson Welles, de um homem que tem tudo e ao mesmo tempo não tem nada. (Marcelo Hessel)

Resenha filme - SANGUE NEGRO (BROTA SANGUE DO CORPO ÁRIDO)
Grandes experiências e grandes percepções são conquistadas a partir da consciência do percurso, de cada etapa, cada momento e conquista, palmo a palmo; dessa forma, todo filme épico acaba por ser um ato de descobrir, como uma onda que leva várias coisas ordenadamente e simultaneamente a uma direção; Sangue Negro não é um épico, diga-se de passagem, mas é uma onda que avassala, em um crescente sem proporções;
se em Onde os fracos não tem vez (2007) a tensão é conquistada a partir de uma força sobrenatural do devir, do vir a ser e a acontecer, emanada das quase-ações do personagem vilão (Javier Barden), em Sangue negro esta mesma tensão ocorre de maneira violenta, mas gradual, quase lentamente na construção de personagens complexos e profundos como Daniel Playviews (Daniel Day-Lewis), o minerador-magnata e Eli Sunday (Paul Dano), o pastor retórico ávido e ganancioso. Sangue Negro é a história de um homem. Daniel Playviews é um garimpeiro, que buscando prata na região seca e desértica da Califórnia, descobre petróleo; consumado seu investimento inicial, Daniel, imbuído pelo conselho ganancioso do então garoto Eli Sunday (futuro missionário e opositor principal) consegue adquirir terras com um oceano de petróleo em seu subsolo; produzindo e abrindo várias torres de petróleo, canalisa e vende seu próprio produto, tornando-se um dos maiores e bem sucedidos magnatas do petróleo dos EUA. O filme poderia estar propondo uma história coloquial de empreendedor no seio do crescimento capitalista americano. Mas não. O petróleo não é o combustível para a comoção do crescimento econômico.
Este mesmo líquido que propõe a riqueza e a salvação é o combustível arterial que impele Daniel a andar cada vez mais rápido, até o momento em que correndo, passa a conquistar cada vez mais espaços físicos e sociais, tornando-se um grande empreendedor; ao mesmo tempo que as oportunidades batem-lhe a porta, a vida torna-se insuportável e as outras pessoas passam a não representar nada, a não ser o enfado e engodo da solidão e do desprezo; o modo como a degradação moral e espiritual abate Playviews é resultado expressivo de uma representação magistral por parte do ator Daniel Day-Lewis, que extrai da amplidão árida do cenário, da força e mistério do sangue negro, o ambiente à construção da força interior destrutiva que Daniel consegue impelir, tal qual uma torre de petróleo jorrando seu precioso líquido negro; ainda no início de sua jornada, o minerador adota uma criança e a considera como filho; este, ao explodir uma torre de petróleo, fica surdo permanentemente, tornando-se uma espécie de cruz a ser carregada por Daniel; sob o signo da dualidade e da contradição, ele se apega ao menino de uma maneira intensa, do mesmo modo que as distâncias e o ódio mútuo os fazem trocar carícias e socos, o que dissipa seus tormentos, maltratando-se mutuamente, culminando no momento em que é declarado o grande segredo. As duas veias que correm na trama podem ser sintetizadas pela força motriz de Daniel e o leve e depois proeminente interesse de seu filho pelas causas socialistas.
O filme procura apresentar o ceticismo do protagonista em face de valores sociais e humanos, análogo ao valor capitalista do dinheiro e do poder a todo custo; esta marca exploratória colonialista moderna pode ser a pedra de toque ou o ponto nodal de análise, mas pode-se verificar que não existem ganhadores; assim, desferir golpes ao sistema capitalista como forma opressora e manipuladora, que dilui a porção humana da sociedade, não constitui rica substância interpretativa da película; é possível reposicionar nossa lente de leitura para a realidade humana do protagonista e sua lenta agonização social e espiritual, quase que uma convulsão hipnótica frente ao sangue negro e seu poder sedutor de isolamento; insuflado como um balão, arremessado como petróleo jorrando das veias profundas da terra, Daniel é um indivíduo que se dedicou a ficar além do bem e do mal, no campo rarefeito de sobrevivência dos céticos; o contraponto deste posicionamento é o missionário Eli Sunday que vive na pequena cidade petrolíofeta de Little Boston; a dialética perfeita entre dois modos de enxergar os valores; um focado no vazio e na crença material do dinheiro e outro focado nas revelações e no superior, no divino; esta dialética promove momentos magistrais e violentos no filme, onde o diálogo é insuficiente para canalisar tanta energia e euforia tensiva, resultando em socos e pontapés, quase uma catarse de emoções e sentimentos que, de tão próximos da loucura, são mais humanos que o sangue vermelho.
A belíssima atuação de Paul Dano na pele do personagem Eli Sunday é sem dúvida o contrapeso e a oposição perfeita ao equilíbrio do filme; duas forças que se repelem, mas que estão dialeticamente ligadas uma a outra; qual a legitimidade do missionário Sunday? Até onde vão suas verdades? Quem tem mais domínio sobre as outras pessoas e sobre si mesmo? E por fim, quem tem mais domínio sobre o outro? Estes são questionamentos que avassalam e sustentam este clássico maravilhoso, um verdadeiro épico da alma humana.
Além deste emaranhado profundo e detido da psique do ser e seu relacionamento com a superação da existência em grau máximo, ser interlocutor de Sangue Negro é vital quando:
1 – A belíssima fotografia, em amplas perspectivas e dimensões, que dão a real noção da grandeza natural;
2 – A cena da torre explodindo e queimando, consumando metaforicamente a força do sangue em todas as suas cores: vermelha e negra.
3 – A trilha sonora de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead;
4 – A belíssima cena final, intensa e violenta;
4 – Porque é o pão essencial e a vitalidade que nos irrompe a pensar, a existir e a constituir nossa própria subjetividade. Em suma, vital com a alegria e a dor, e o próprio sangue.


Resenhas maravilhosas que eu recomendo:

Isabela Boscov

http://arquivoetc.blogspot.com/2008/02/sangue-negro-com-daniel-day-lewis.html





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