POEMAS - RECORTES SUBJETIVOS


Me dispo da miséria
Corando-me da mágoa
A indiferença me resseca
E a coragem me abstém da sorte
Não existe medo onde não há perigo
Não há perigo onde tudo é des-importante
Não há importância onde tudo não é meu
Não há nada meu onde nada me detém:
Os olhos, a vontade e o coração
Tudo me (des)ocupa a mente
E foge aos olhos e mãos
Não quero nada
Que ainda
Possa
Ferir-me
O coração
Deixo as virtudes para os outros
Procurarei apenas os sentidos
Na inscrição
Que me habita
O desinteresse
(Rômulo Giacome - 2006)


Pra quem?

Se me perguntarem, o que?
Responderia ou não só: uma folha dissolvendo-se ao vento
Se me perguntarem, para que?
O toque árido ao solo, a fome, a seca
O desassossego e a dissonância
Distância talvez
Se me perguntarem, de quem?
Do invisível que me fere o peito
E o por que? (se ainda me perguntarem)
Sim. A solidão que devora o último pedaço de mim que ainda fica
E agora? silêncio,
O ensurdecedor e maldito silêncio.
(Rômulo Giacome - 2006)

clAMOR / clAMAR
eu clamo pela palavra
palavra-grito
a palavra fome
um ponto no rosto, a lágrima-palavra
a fuga e o sonho,
o peso e o pesadelo
um velho senhor tombando
na rua de lama com platéia
caindo e tocando o solo com o rosto
e a criança por demais criança, agachada olha
e ninguém nada faz pelo nada e mais nada
simplesmente a doença contagiosa e diferença
o ódio e o rancor respingam de sangue a blusa branca
indiferença
e um corpo na calçada, jazido e jaz(z)
ainda que ninguém espere ser
eternamente o próximo
sempre serei eu
(Rômulo Giacome - 2006)

o desejo e sua morada
na chama amarga e seca do fogo
dois corpos queimam
e as mãos saindo da cortina de fumaça pedem
com os dedos abertos, anéis e alianças se cruzam
as mãos se encontram e se tocam
em espasmos de dor se condicionam
corpos que dilacerados pelas lâminas vermelhas
gritam e perfuram o silêncio da noite
aponta um dedo em riste no norte
e tombam ainda sobrando de trapos
sangue, pele, ossos e desejos
incompreendidos.
(Rômulo Giacome - 2006)

Comentários

Anônimo disse…
Dois cochilos: mágUa ao invés de mágOa (liceça poética?) no segundo verso do primeiro poema; e no terceiro verso do último - o desejo e sua morada - tem uma discordância entre o artigo, que está no plural, e o substantivo, que está no singular, veja: e as mão saindo da cortina. Ou a "mão" vai para o plural, ou o "a" volta pro singular, levando consigo os demais verbos que se referem a mão. Este comentário deverá ser deletado em cinco segundo... 4...3 ... 2 ...1 ...
A angústia quando se mostra nas linhas da poesia parece ganhar toda uma forma de beleza melancólica, onde o lirismo sentimental se confunde com o poeta no mais íntimo do seu ego que teima em se deixar sair...

O estilismo é fantástico... o texto, por tão reflexivo e cheio de significados é, no mínimo, fantástico.
Teoliterias disse…
Willian: seus comentários são sempre pertinentes e significativos
Um grande abraço
Nos passa um sensação amargura, um nó na garganta os dois primeiros poemas. Há referências a solidão - a)indiferença que resseca, b)uma folha (seca) dissolvendo-se ao vento. A tensão é quebrada quando a sequidão/aflição/amargura é tomada de assalto pelo medo da violência da ferida aberta, no primeiro poema. No segundo o coração é ferido pela solidão que o devora. O sangue tinge de vermelho a secura alva da mesma. No terceiro e último, o eu-lírico não está sozinho e nos coloca a segundos antes da explosão orgásmica. Mas, mesmo acompanhado, ainda subsiste a agonia que adstringe a garganta, pois a chama do fogo é seca e amarga (amargura/solidão). Enfim, a meu ver, o lirismo orbita o isolamento sufocante próprio dos tempos em que vivemos, onde as pessoas vão se perdendo em face ao mar de expectativas frustradas, seja no campo profissional ou sentimental. Reflete o desejo da ausência suicida que nos toma e nos põe prostrado diante da possibilidade de, mais uma vez e de novo, sofrer. É claro que acabo de me arriscar nessa análise deveras superficial, e posso aí ter dito um monte de baboseiras, mas ao ler seus poemas captei de pronto uma aflição sufocante - nos três - e não pude furtar-me de externar o meu "achismo", mesmo que capenga.
Thonny Hawany disse…
Olá meu amigo, que bom ler os seus textos. Deixando de lado algumas questões estruturais,visto que conheço a sua competência em rever o que é licença poética e separar do que é descuido de quem escreve às pressas para dar vazão ao pensamento mesmo sem tempo. O conteúdo é maravilhoso e me fez lembrar dos tempos que eu avanturava escrever, ou seja, do tempo que eu colocava no papel alguns gritos de minha alma aflita. Parabéns pelo material e por tudo o quanto está colocado no Blog.
JP disse…
O Choro

Sofri insídias na vida
Passei a cultivar o choro
O mantive como amante
Que ao tédio
Delirava-me em paixão
Como amigo
Que nas decepções
Cedia-me seu ombro
E como pai
Que aos erros
Dava-me a correção
Dissipei os dias com lágrimas
Rosto atrofiado
Envelhecido
Rudificado
Os olhos úmidos
Janelas da alma vazia
Nas páginas da vida
Nada existiu ou existe
Além de folhas molhadas
Ébrios soluços
Torpe sentimento
Insano sofrimento
Assim vivi
Assim morri
Chorando me consumi.

(Jéssica Paula)
Lucas Lima disse…
muito bons teus escritos amigo, algumas críticas musicais que gostei também, enfim, um blog interessante.
Abraços