Resenha - SHREK 4 E TOY STORE 3 - CARA DE CRIANÇA E CORPO DE ADULTO

by Rômulo Giácome

Há muito tempo o cinema dito para "criança" vem sendo objeto de interesse dos adultos; em busca do nostálgico elemento perdido da infância, muitos "grandinhos" tem fervorosamente procurado o cinema infantil, principalmente os desenhos animados, como forma de catarse e eterno retorno, buscando um re-encontro consigo mesmo. A infância reveladora mostra a alegria perdida e o instinto ausente do riso. Filmes como "Os sem Floresta"; "Madagascar" e "Era do Gelo" são construções repletas de elementos fabulares simples e complexos, de sequências de aventuras eletrizantes e marcantes, bem como embalos musicais e coreografias contemporâneas que misturam paródias da cultura pop com a vida do imaginário infantil.

Destaque também concedo a outro elemento que vem emergindo do cinema "infantil" de animação; são os temas tratados, os conflitos construídos, as tensões elaboradas; é inadmissível olhar uma animação desta nova lavra com um olhar ingênuo para o plano narrativo; principalmente na elaboração fabular, no intricado clímax e seus dedobramentos; alguns exemplos desta força tensiva emergem de "UP, Altas Aventuras"; nascido clássico, sua tessitura narrativa adensada é diferente da natural espontaneidade de outras animações; sob a vértice do perder, o protagonista tem uma existência regrada e desistimulante, que outrora era abrilhantada pela esposa; em sua ausência, os sonhos da juventude ficam para segundo plano; sonhos estes de morar no planalto amazônico, mais precisamente em um conjunto de montanhas representado por uma foto; desta aparente estabilidade e fuga do novo, eis que surge o contato com uma criança especial, um meninho arquetípico, que destrói as possíveis amarras do velhinho, o conduzindo a romper as raízes, a rever os sonhos, a buscar a felicidade perdida com um balão arrastando a própria casa rumo ao infinito e à aventura; o filme trata de ruptura; trata de despir amarras e prensas que a velhice intenta proliferar e revestir-se do novo; trata também do contato entre a velhice e a infância, não pela memória, mas pela ação;


No início da animação Sherek 4, a estabilidade e a felicidade perene e constanate, infinita dos contos de fadas, sede lugar ao incontinenti terreno do enfado e da rotina; marcado por esta sensação de perder a essência, nosso ogro abandona Fiona, e cai nas tentações mundanas do próprio umbigo; construir uma outra vida e não existir são configurações implementadas pelo filme, que imbrica em um novo desfecho para aquele já conhecido; vivendo paralelo ao seu mundo, o ogro vê tudo que é seu e o que poderia ter sido passar ao largo; esta sensação de perder constrói a tensão que culmina no clímax: sentir que tudo que tinha era extremamente valioso; e raro; e nesta busca da reconstrução, somente o amor verdadeiro pode proporcionar a felicidade pretendida e o mundo de imagem verdadeira; muito dos clichês são novamente abusados, como o o gato e seu já clássico olhar mimoso; o burro e sua tendência a "falar"; no entanto, o que realmente fortifica o filme e o coloca digna da continuação, foi a construção de um roteiro por sobre uma história que procura significações; procura representar uma moral simples, mas que sempre deve ser revolvida e recolocada em pauta; valorizar o que temos, principalmente o mais diáfano e simples: as pessoas que nos amam.

Já em Toy Store III, muito da expectativa de assistí-lo era em virtude de ser 3D; esta áurea de sumersão total e integral na película me percorreu desde sempre; o fato é que os efeitos 3D redimensionam o filme e proporcionam mais integração, tornando a apreciação mais impactante e relevante; quem busca a pirotecnia de cenas profundas e mais interativas, saiba que Toy Store III não proporcionará; mas o que suplanta tudo isso é a intensa forma como o filme é articulado, construindo tensões do início ao fim; o primeiro momento a força tensiva evoca da "rejeição"; sob este signo teremos uma ampla empatia pelos brinquedos (a busca deles em brincar com Andy); ainda sob este signo será possível a construção de um excelente personagem, o urso vilão Huggin; ancorado pela premissa do urso carinhoso e companheiro, Huggin representa a falsidade e negação, traindo a todos por duas vezes; a primeira vez ao conduzir os brinquedos à uma mentira sobre as crianças da creche; a segunda por não apertar o botão que salvaria a todos; a capacidade que a animação tem de criar cumplicidade sincrética entre telespectador e animação é espetacular; a tessitura narrativa mantém uma forma suspensiva de trama que envolve e possibilita a busca do novo nó que conduz em um processo contínuo e progressivo. Também é relevante falar da aceitação e do carinho como forma de auteridade. A bela menina que recebe a doação de Andy configura-se vivaz e eminentemente infantil, criativa e carinhosa. Este ambiente notadamente receptivo é a busca da eterna proteção e da calma lírica.

Na busca de um conceito que envolvesse literariamente estas duas produções, não poderia eximir-me de envolver a emoção na análise fria da ciência: o termo pode ser condensado por "afetividade"; nunca se projetou, injetou e reverberou tanta afetividade nestas animações e suas constituições pautadas entre o perder, o sentir, o sofrer; nunca foi tão cara a resignação como forma de arte infantil, como forma de tema central, que busca a amizade, a tolerância e a beleza perdida a tanto do sentimento. Assistir a qualquer uma destas animações é ver poesia revelada. Não aquela do sofisma. Mas aquela instaurada no discurso Pop, um sino que toca para todos.

Comentários

Joice Stêfani disse…
Olá professor, aqui estão os links para os 2 poemas que publiquei no meu blog. Aguardo seus comentários e críticas.
Grata.

1 http://joicestefani.blogspot.com/2010/05/nao-me-vejo-mais-em-mim.html

2
http://joicestefani.blogspot.com/2010/03/mania-de-mudar-muda-de-idea-muda-de.html
Teoliterias disse…
Vou ler sim; abraços