(Opinião) - MENTE SÃ EM CORPO SÃO? TALVEZ NÃO

MENTE SÃ EM CORPO SÃO? TALVEZ NÃO

Bernardo Schmidt Penna*


A famosa frase do poeta italiano Juvenal (século I) “mens sana in corpore sano” atravessa os séculos e vem a cada dia ganhando novas interpretações, muitas vezes deturpadas e servindo de mantra para uma vida “correta e feliz”. Será mesmo que precisamos de uma mente sã? Ou o que seria efetivamente uma mente sã?


O genial escritor peruano Mario Vargas Llosa em seus “Cadernos de dom Rigoberto” (Ed Alfaguara, 2010, p. 98) faz dura e absolutamente razoável crítica à famosa expressão. Segundo ele, “quem disse que uma mente sã é desejável? “Sã”, nesse caso quer dizer tola, convencional, sem imaginação e sem malícia, arrebanhada pelos estereótipos da moral estabelecida. (...) Uma vida mental rica e própria exige curiosidade, malícia, fantasia e desejos insatisfeitos, isto é, uma mente “suja”, maus pensamentos, floração de imagens proibidas, apetites que induzam a explorar o desconhecido e a renovar o conhecido, desacatos sistemáticos às idéias herdadas, aos conhecimentos manipulados e aos valores em voga.”
Aduz ainda, na outra banda da questão, que aparentemente a prática de esportes, em que pese tornar o corpo saudável, não redunda numa mente sã, já que hoje se vê – e muito – desportistas se valendo de expedientes vis, trapaças, corrupção de árbitros, dopping etc.
As críticas do escritor, na pessoa do divertido personagem Dom Rigoberto, merecem aplausos. Sobretudo nos dias de hoje em que vivemos sob a “ditadura do bem” ou o “monopólio da virtude” por parte do Estado.
Invariavelmente e cada vez com mais veemência, nos dizem, por todos os canais, o que devemos fazer para termos uma vida “correta”. Mas correta aos olhos de quem? O tempo todo nos dizem o que devemos comer, o quanto podemos beber, que não se pode fumar absolutamente, que devemos praticar alguma religião, trabalhar o máximo que pudermos, o que devemos ouvir (normalmente de gosto duvidoso), ler ou consumir.
Será que tudo isso leva a uma mente sã? A autonomia individual vem sendo cada vez mais reduzida, quando deveria ocorrer o inverso. Se vivemos em uma sociedade pautada pelo liberalismo, a liberdade individual teria de ser promovida e não dirigida. Estamos sofrendo uma espécie de robotização em nome de valores, pessoas e dogmas seguramente questionáveis.
É imprescindível que se questione, que se polemize, que se descubra novos caminhos, sob pena de nos tornarmos servis a uma suposta moral que nem sempre atende de maneira inteligente a todos. Ou que não respeita opiniões ou diferenças. Polêmicas do passado se transformaram em grandes conquistas do presente. Não podemos conceber que ter uma mente sã (se isso for mesmo necessário) seja acatar tudo aquilo que nos impõem.


*Advogado, mestre em Direito e coordenador do curso de Direito da UNESC.

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