A NOÇÃO DE SUJEITO NA ANÁLISE DO DISCURSO


A NOÇÃO DE SUJEITO NA ANÁLISE DO DISCURSO: NOTAS INTRODUTÓRIAS A PARTIR DE HELENA NAGAMINE BRANDÃO
Rômulo Giácome de Oliveira Fernandes*
Joice Estêfani Menezes Silva**
Ianis Gonçalves**
Adriana Gonçalves**
Hiverson Soares dos Santos**
Kátia Camilo**
Tatiane Alves  de Oliveira**
Débora Miranda**
Dentro da AD são várias as teorias em relação ao sujeito do discurso. Há a teoria que considera o sujeito como sendo o “eu”; assim, ele seria o centro da comunicação; outra teoria afirma que o “tu” exerce maior influência sobre o “eu”; caracterizando-se como o fator principal; há ainda a teoria que defende que o fator central não é o “eu” ou o “tu”, mas sim o espaço existente entre eles. 
Orlandi (1983) apud Brandão (2004, p. 54 e 55) enumera as principais correntes sobre a noção de sujeito da seguinte maneira.

Primeira fase: em que as relações interlocutivas estão centradas na ideia da interação, harmonia conversacional, troca entre o eu e o tu. Nessa concepção idealista enquadram-se, por exemplo, a noção de sujeito de Benveniste e aquela regida pelas leis conversacionais e correntes do princípio de cooperação griceano;
Segunda fase: em que se passa para a ideia do conflito. Centradas no outro, segundo essa concepção as relações intersubjetivas são governadas por uma tensão básica em que o tu determina o que o eu diz, ocorrendo uma espécie de tirania do primeiro sobre o segundo. É a concepção fortemente influenciada pela retórica, presente nos momentos inicias da AD, cujas análises focalizaram, sobretudo os discursos políticos;
Terceira fase: em que, reconhecendo, no binarismo da concepção anterior, uma polarização que impedia apreender o sujeito na sua dispersão, diversidade, a AD procura romper com a circularidade dessa estrutura dual, ao reconhecer no sujeito um caráter contraditório que, marcado pela incompletude, anseia pela completude, pela vontade de "querer ser inteiro". Assim, numa relação dinâmica entre identidade e alteridade, o sujeito é ele mais a complementação do outro. O centro da relação não está, como nas concepções anteriores, nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo criado entre ambos. O sujeito só se completa na interação com o outro.

Para entendermos o sujeito de Benveniste precisamos entender o que é subjetividade. Segundo Brandão (2004, p. 56) Benveniste chama de subjetividade “[...] a capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu discurso e ela se funda no exercício da língua.”, assim sendo, o sujeito possui uma posição privilegiada na linguagem e “ [...] enuncia sua posição no discurso através de determinados índices formais dos quais os pronomes pessoais constituem o primeiro ponto de apoio na revelação da subjetividade na linguagem.” Brandão (2004, p. 56). Vemos então que para Benveniste o “eu” possui posição de vantagem sobre o “tu”, pois o eu pode se apoderar do discurso, ser pessoa subjetiva, cabendo ao tu apenas a posição de receptor, pessoa não-subjetiva. Assim, “eu e tu são protagonistas da enunciação e, referindo um indivíduo específico, apresenta a marca da pessoa. Distinguem-se, entretanto, pela marca da subjetividade: eu é pessoa subjetiva e tu pessoa não-subjetiva. (BRANDÃO, 2004, p. 56)
Para Benveniste (apud BRANDÃO, 2004) a noção de sujeito é totalmente egocêntrica, ou seja, o sentindo do discurso depende inteira e exclusivamente do “eu,” não podendo ser influenciada pelo “tu”. Como afirma Brandão “[...] Benveniste vê no “ego” o centro da enunciação e o identifica ainda à noção de sujeito, ao afirmar que a constituição da subjetividade vai se fazendo à medida que se tem capacidade de dizer eu.” É desta noção egocêntrica que surgem as controvérsias sobre a teoria do sujeito de Benveniste, pois mesmo que o eu não seja o enunciador em toda linguagem, existirá um sujeito que comunica algo. Vejamos:

[...] a subjetividade é inerente a toda linguagem e sua constituição se dá mesmo quando não se enuncia o eu. Os discursos que utilizam de formas indeterminadas, impessoais como o discurso científico, por exemplo, ou o discurso do esquizofrênico em que o locutor utiliza o ele para se referir a si mesmo mostram uma enunciação que mascara sempre um sujeito. Isto é, nesses tipos de enunciação, o sujeito enuncia de outro lugar, postando-se numa outra perspectiva, seja a da impessoalidade em busca de uma objetivação dos fatos ou de um apagamento da responsabilidade pela enunciação, seja a da incapacidade patológica de assunção de um eu. (BRANDÃO, 2004, p. 57 e 58)

Portanto, o sujeito de Benveniste não é totalmente satisfatório. Sua noção de subjetividade não leva em conta nem o tu e nem a historicidade, como afirma Brandão, (2004, p.58)

[...] notamos em Benveniste certa contradição quando coloca a distinção entre os dois modos de enunciação: a discursiva e a histórica. Para ele, a enunciação discursiva tem as marcas da subjetividade enquanto que a enunciação histórica não. Nesta, abole-se tudo que é estranho à narrativa dos acontecimentos que são apresentados como se narrassem a si mesmos. Não há um locutor aqui, caracterizando-se o discurso pela ausência da subjetividade. Essa colocação contradiz o que foi exposto, pois, como vimos, se toda enunciação é um ato de apropriação da língua, impõe-se, necessariamente, a figura de um sujeito, de alguém que pratica o ato de apropriação. (BRANDÃO, 2004, p. 58)

Haja vista esta contradição na subjetividade de Benveniste, veremos outras teorias que buscaram melhor entender o sujeito, onde “a noção de historia é fundamental, pois, porque marcado espacial e temporalmente, o sujeito é essencialmente histórico.” (BRANDÃO, 2004, P.59). Dentro destas teorias o sujeito abandona suas características egocêntricas, pois considera tanto o tu, quanto o tempo e o espaço em que se situa, elementos importantes na construção do seu discurso.

[...] a noção de subjetividade não está mais centrada na transcendência do EGO, mas relativizada no par EU—TU, incorporando o outro como constitutivo do sujeito. Disso decorre uma concepção de linguagem também não mais assentada na noção de homogeneidade. A linguagem não é mais evidência, transparência de sentido produzida por um sujeito uno, homogêneo, todo-poderoso. É um sujeito que divide o espaço discursivo com o outro. (BRANDÃO, 2004, p.59)

Percebemos então que a homogeneidade também não é bem aceita, e entraremos nas discussões sob o ponto de vista da heterogeneidade discursiva.
Authier-Revuz (1982) apud Brandão (2004) lista “[...] formas de heterogeneidade que acusam a presença do outro”, vejamos quais são:

a) o discurso relatado: no discurso indireto, o locutor, colocando-se enquanto tradutor, usa de suas próprias palavras para remeter a uma outra fonte do "sentido"; no discurso direto, o locutor, colocando-se como "porta-voz", recorta as palavras do outro e cita-as;
b) as formas marcadas de conotação autonímica: o locutor inscreve no seu discurso, sem que haja interrupção do fio discursivo, as palavras do outro, mostrando-as, assinalando-as quer através das aspas, do itálico, de uma entonação específica, quer através de um comentário, uma glosa, um ajustamento, ou de uma remissão a um outro discurso, funcionando como "marcas de uma atividade de controle/regulagem do processo de comunicação";
c) formas mais complexas em que a presença do outro não é explicitada por marcas unívocas na frase. E o caso do discurso indireto livre, da ironia, da antífrase, da alusão, da imitação, da reminiscência em que se joga com o outro discurso (às vezes, tornando-o mais vivo) não mais no nível da transparência, do explicitamente mostrado ou dito, mas no espaço do implícito, do semidesvelado, do sugerido. Aqui não há uma fronteira linguística nítida entre a fala do locutor e a do outro, as vozes se imiscuem nos limites de uma única construção linguística.

Fica clara, através das exposições supracitadas, a heterogeneidade do discurso. Esta noção de heterogeneidade de Authier-Revuz apoia-se na teoria do discurso dialógico de Bakhtin.
Ao contrário de Saussure, que nas palavras de Brandão (2004, p. 61) “[...] trata a língua como um sistema monológico”, Bakhtin (p. 109, apud BRANDÃO, 2004, p.61) diz que a língua "[...] não e constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas [...] mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação e das enunciações". A partir desta afirmação, Bakhtin deixa claro que para ele o eu não é e nem pode ser o centro do discurso, pois o sentido do discurso depende da interação entre o eu e o outro, estabelecendo assim uma relação dialógica. Bakhtin vai ainda mais longe ao dizer que:

[...] não tomo consciência de mim mesmo senão através dos outros, é deles que eu recebo as palavras, as formas, a tonalidade que forma a primeira imagem de mim mesmo. Só me torno consciente de mim mesmo, revelando-me para o outro, através do outro e com a ajuda do outro (apud TODOROV, 1981, p. 148, apud BRANDÃO,2004, p. 62).


Sob este ponto de visto, do discurso dialógico, o tu ganha destaque, pode se se sobressair, podendo influenciar e transformar o sentido do discurso do locutor, pois

[...] Ao enunciar, o locutor instaura um diálogo com o discurso do receptor na medida em que o concebe não como um mero decodificador, mas como um elemento ativo, atribuindo-lhe, emprestado-lhe a imagem de um contra-discurso: "constituindo-se na atmosfera do 'já-dito', o discurso é determinado ao mesmo tempo pela réplica ainda não-dita, mas já solicitada e já prevista" (BAKHTIN, 1978, p. 103) apud (BRANDÃO,2004, p. 65)


Mas para a análise do discurso não interessa o sujeito que ora está centrado no eu e outra está centrado no tu, mas sim o sujeito que considera  a relação que há entre tais pessoas.

Para a análise do discurso é essa concepção de sujeito [...] que vai ocupar o centro de suas preocupações atuais, para ela, o centro da relação não está nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo criado entre ambos. O sujeito só constrói sua identidade na interação com o outro. (BRANDÃO, 2004, p. 76)

É no texto que esta relação acontece, Orlandi (1988) apud Brandão (2004, p. 76) diz que “[...] o domínio de cada um dos interlocutores em si, é parcial e só tem a unidade no (e do) texto. Consequentemente, a significação se dá no espaço discursivo (intervalo) criado (constituído) pelos/nos dois interlocutores.”, portanto é dentro do discurso, observando todo o contexto, que vamos encontrar o sujeito, pois

[...] as palavras, expressões, proposições mudam de sentido segundo posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que significa que elas tomam o seu sentido em referência a estas posições, isto é, em referência as formações ideológicas [...] nas quais essas posições se inscrevem. (PÊCHEUX, 1975, apud BRANDÃO, 2004, p. 77)

Levando também em conta o ramo da psicanálise, Brandão (2004, p. 78) cita Orlandi (1986, p. 119) ao dizer que “[...] o quadro epistemológico da AD não centra mais a problemática no sujeito, e sim nos sistemas de representação". E continua seu raciocínio completando

A AD é crítica em relação a uma teoria da subjetividade que reflita a ilusão do sujeito em sua onipotência; nela "a ideologia (relação com o poder) e o inconsciente (relação com o desejo) estão materialmente ligados, funcionando de forma análoga na constituição do sujeito e do sentido. O sujeito falante é determinado pelo inconsciente e pela ideologia (ORLANDI, 1986, p. 119 apud BRANDÃO 2004, p.78).

Levando em conta estas observações, onde “[..] O sujeito falante é determinado pelo inconsciente e pela ideologia” (ORLANDI, 1986, p. 119 apud BRANDÃO 2004, p.78) Pêcheux chega á teoria não-subjetivista do sujeito, tendo como base os estudos de Althusser que, nas palavras de Pêcheux, apud Brandão (2004, p.78)  

[...] verdadeiramente colocou os fundamentos reais de uma teoria não-subjetivista do sujeito, como teoria das condições ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção, estabelecendo a relação entre inconsciente (no sentido freudiano) e ideologia (no sentido marxista).


Sendo assim, todo sujeito é formado por valores e ideias que sustentam uma ideologia. “[...] Sujeitos que implicam uma dimensão social, mesmo quando no mais íntimo de suas consciências realizam opções morais e escolhem valores que orientam sua ação individual.” (BRANDÃO, 2004, p.79), ou seja, mesmo que de forma inconsciente o sujeito é moldado por uma ideologia “[...] A constituição do sujeito deve ser buscada, portanto no bojo da ideologia: o "não-sujeito" é interpelado, constituído pela ideologia.” (BRANDÃO, 2004, p.79). Althusser, apud Brandão (2004, p.79) diz que “não há ideologia senão pelo sujeito e para sujeitos”.

Assim, e a interpelação ideológica que permite a identificação do sujeito, e ela tem um efeito por assim dizer retroativo na medida em que faz com que todo sujeito seja "sempre já-sujeito". Isto é, "o sujeito é desde sempre um indivíduo interpelado em sujeito". É isso que permite a resposta absurda e natural "sou eu" à pergunta "quem está aí?", mostrando que eu sou o único que pode dizer eu falando de mim
mesmo.


Sabendo que nada, nem as palavras, nem o sujeito, nem o discurso tem um sentido fechado, hermético, isolado de quaisquer outros fatores, “[...] Concebe-se [...] o sentido como algo que é produzido historicamente pelo uso e o discurso como o efeito de sentido entre locutores posicionados em diferentes perspectivas.” (PÊCHEUX, 1975, p. 145 apud BRANDÃO, 2004, p. 81).

Para nós, não há discursos constitutivamente monológicos, mas discursos que se "fingem" monológicos na medida em que reconhecemos que toda palavra é dialógica, que todo discurso tem dentro dele outro discurso, que tudo que é dito e um "já-dito". (BRANDÃO, 2004, p. 85)


Ao teorizarmos sobre as diferentes linhas de pensamento em relação ao sujeito, concluímos que o sujeito que interessa à AD, apesar de todas as contradições a que foi contextualizado o conceito de “sujeito”, é o definido e moldado pela ideologia, que é absorvida de forma inconsciente, do discurso de outros, que tomamos como sendo nosso, “acreditando” e “legitimando” como nosso a fala de outrem. Este sujeito não é pré-definido, pode ser eu, pode ser tu, pode ser outro, variando de acordo com o texto e contexto em que é inserido, pois o sujeito varia de acordo com o manuseio das palavras dentro do discurso ideológico e “em um mesmo texto podem-se encontrar várias formações discursivas” (PÊCHEUX, apud BRANDÃO, 2004, p. 83) e cada formação discursiva pode dizer respeito a um sujeito.
Seguindo um percurso teórico construído por Pierre Bordieu, em sua obra “O Poder Simbólico”, Quando nos constituímos pelo “outro”, nos entendemos “ser” por fazer parte de um grupo, ou coletivo identitário que nos fornece a projeção do que somos. Este “eu” que nasce do “outro”, sofre as intempéries de participar de um coletivo mobilizado, e que determinará, consequentemente, à luz da ideologia, as forças dominantes.

As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e colectivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os de outras classes). (BORDIEU, 1989, p.10)

O mesmo igual que nos iguala e nos proporciona afirmar sou “eu”, é a igualdade falsa que, emanada da ideologia, cria uma homogeneidade que serve aos interesses das classes dominantes. Em um paradoxo imediato, a ideologia dominante nos iguala, para homogeneizar, com o único propósito de gerar as distinções hierarquizadas, parecendo-nos totalmente natural.
Passamos a acomodar e assimilar um discurso das diferenças entre as classes, um discurso totalizador e hierarquizante, que valoriza e perpetua a própria dominação. Sabemos que o “ter” um objeto nos separa, mas assimilamos uma posição discursiva onde este saber é tão incorporado, que passa a ser o nosso próprio valor. Adoramos a própria mortalha e o próprio carrasco.
Em suma, as discussões sobre os sujeitos e suas posições discursivas não podem prosseguir sem definições, aprofundamentos e pesquisas detidas sobre a ideologia e o subconsciente humano. Neles, se estabelecem relações profundas e determinantes na produção discursiva, nos modelos culturais, na identidade grupal e nas próprias relações sociais.

REFERÊNCIAS

HELENA, H. Nagamine Brandão. Introdução à Análise do Discurso, Campinas, SP: Editora da Unicamp, Ed. 2004 e 2006.
BORDIEU, Pierre. O poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil, 1989.

* Professor e orientador na disciplina Linguística Geral
**Acadêmicos do 6º Período de Letras UNESC/Cacoal

Comentários

Lucineia disse…
Estou examinando para estudos de produção de projeto.Será que posso?
Teoliterias disse…
Pode sim Lucineia!
VAGNER BRAZ disse…
Podem postar as outras referências citadas ao texto? Por gentileza!