A GAROTA DO LIVRO E “A(PROPRIA)AÇÃO” DA ESCRITA



por Rômulo Giacome

Escrevo esta resenha para quem já assistiu ao filme. No códex canônico dos filmes cult, ou nas grandes produções estéticas, esta Garota não figuraria. Mas quem se importa com culpa ou complacência pela crítica de cinema? Na singela trama e na simplicidade das cenas, talvez até mesmo na pieguice placebo da cultura indie, em toda essa morna teia juvenil, poderia ter prosperado a força do tema assédio sexual e pedofilia, que de soslaio iria discutir a negligência do Pai; poderia ter irrompido com força os traumas da adolescência, fruto deste assédio moral, incitado pela autoridade de professor que Millan Daneker, no auge de sua autoridade moral, faz uso da pior forma possível. E poderíamos discutir por algum tempo a ausência de voz e o quanto Alice é subestimada e sujeitada pelo Pai e Patrão. 


Poderíamos acatar muitos temas dentro deste pequeno filme; mas seriam temas apenas em sua iconicidade, em sombras, e de maneira apenas indicial. No entanto, uma grande questão está gritando na teoria, buscando uma correspondência conceitual, e que sempre desafia. Tentemos fazer a pergunta certa para abordar da forma mais correta: a apropriação da escrita de Alice Harvey por Milan Daneker, levado em conta os limites ou não-limites da literatura, foi um ato imoral? Talvez perguntando por outro ângulo: que matéria literária é esta, que apoderada por Milan, o fez escrever um Best Seller?Seria a matéria prima bruta, a sinceridade e a generosidade citada no filme, emanada por Alice, a doce adolescente de 15 anos; ou o polir do escritor técnico, o lapidar a palavra e a forma, buscando a potência da escrita?Essa mimese do conteúdo se espelha na mimese do processo? E neste ínterim, o que poderia ser descrito como elemento determinante dentro de um sucesso de livro e crítica?A escrita é esta multifacetação de ângulos que buscam o vórtice da expressão; essa busca, quando acertada, é impossível de derrota literária. É nessa marca e regulação que a literatura se equilibra. Assim, entre uma menina escritora e um escritor, entre o embate da palavra juvenil com a palavra adulta, o frescor da escrita pueril com o mármore e carvalho da experiência e técnica. Foi dessa convivência e conivência que nasceu a obra?
Talvez tenhamos a pergunta melhorada: foi naquele quarto, daquela insidiosa relação opressora, daquelas tardes dolorosas para Alice, que imoralmente e ilegalmente, nasceu uma criança tímida (livro), filho dos bastardos literários, mas que se tornou uma grande obra? (observem que dentre as sete obras de Milan, a única que teve êxito de crítica e púbico foi essa). Não é um filme sobre arte, ou sobre psicologia; é um filme sobre escrita, sobre discutir, mesmo que em poucos momentos, o texto e sua apropriação; não é teorizar sobre Literatura, é falar sobre livros, pessoas, palavras e formas.
NOTA: Assisti "A Garota do Livro" a quase dois anos; Um sábado destes próximos, passei assistindo um filme e, quando percebi, era este.  


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