Este ensaio foi apresentado no I SEMINÁRIO INTERNO DO GRUPO DE PESQUISA EM LINGUAGENS - GPEL, evento realizado no Instituto Federal de Rondônia, a aborda dois vetores de discussão sobre a prática de produção de textos: o planejamento psíquico da escrita e a prática de assimilação dos recursos linguísticos.
Muito se fala
do fim da escrita e do condicionamento deste processo às redes sociais.
Principalmente em função da prática de comunicação por imagens, fazendo uso de
redes próprias como o Instagram e outras. Mas não podemos negar que a imagem
sem legenda fica muda, parecendo clamar por um suporte textual. E de tantos
recursos que temos para digitalizar a voz e escrever via voice, nenhum software conseguiu ainda amplitude e funcionalidade
para uso em massa. Continuamos a fazer uso da velha e boa escrita, seja no Facebook
ou no Enem. Ainda é mito dizer que a escrita tem os dias contados. Neste ensaio
pontuo duas questões que norteiam discussões estruturais sobre a prática da
escrita em tempos de modernidade e mudanças de paradigmas. O primeiro ponto é sobre a organização mental e a escrita como
extensão icônica e indicial desta organização. O segundo ponto é sobre a prática de escrita enquanto processo de
realização e assimilação de procedimentos inerentes à língua por meio de técnicas
como a repetição e reflexão sobre esta repetição.
O espaço de
realização da escrita é inicialmente o espaço psíquico. No lastro dos estudos
de Vygotski e outros linguistas contemporâneos a efetivação da escrita se dá
por meio da representação. Os sinais e signos simbólicos, que vão desde marcas
iniciais até sofisticadas construções culturais e ideológicas são
materializações gráficas e semióticas da cultura e do pensamento do agente
escritor. Quem não tem o
que dizer não tem o que escrever. Não se escreve corretamente o que não está
organizado mentalmente. Organização mental é a arte de planejar e projetar o
pensamento para aplicá-lo, também na escrita. Podemos inferir, sem muito
esforço, que qualquer texto bem realizado, seja de qualquer gênero ou tipo,
está assentado sobre um projeto de realização, que vai desde atender às
especificidades das tipologias e gêneros (dissertativo, narrativo) até uma
ordem de pensamento, um núcleo de argumento ou mote narrativo, ou ainda um
objeto para descrição.
Logo,
o texto parte de um planejamento específico para sua realização, como o domínio
de parte do seu todo e a previsão provável dos seus limites. Trazendo para a
prática de ensino, entendemos o quanto é importante treinar no aluno às
práticas argumentativas simples, as estruturas de pensamento (silogismos) mais
elementares para progredirmos rumo às esferas mais complexas. Na narrativa
prever os elementos essenciais da narratologia e iniciar o domínio de suas
combinações. Portanto, um bom parágrafo escrito vale mais que um texto de duas
páginas mal escrito. A ordem do dia é a lógica da escrita, seu mecanismo
fundamental. Ainda falando em parágrafos, é preciso dedicar mais tempo e estudo
à sua escrita e entendimento. Seus recursos e funções dentro do texto.
É
caro à linguística moderna e principalmente à semiótica estrutural a imersão do
sujeito escritor na cultura da língua e da linguagem. A nossa interação com as
estruturas de pensamento grafadas pelo ritual da escrita nos proporciona
condicionamentos dos processos e procedimentos essenciais à sua realização,
como exemplo a própria construção de um bom parágrafo. Ele é o próprio embrião
textual, sua porção genética. Os modelos inseridos pelas redes sociais mais
relevantes, Facebook e twiter, valorizam a construção do parágrafo como unidade
textual de pensamento. Hoje estamos mais propensos à esta métrica e modelo de
escrita do que o texto completo. O trabalho didático que reúna este tipo de
produção em sua função e gênero dentro das perspectivas das redes sociais terá
mais impacto nas mentes dos escreventes das duas últimas décadas.
Imersos
na cultura da língua escrita potencializamos nosso pensamento, reproduzimos o
mecanismo da escrita por associação ou outro método oriundo da prática e da
interação. Assim, o contato com a escrita pela leitura em seus vários níveis,
seja na produção criada a partir da lógica das redes sociais (textos curtos,
diretos, subjetivos) ou evoluindo para as construções mais sofisticadas dos
livros, como os poemas, estamos reconstruindo um percurso gerativo de escrita.
Os poemas são modelos de escritura com crucial relevância, pois realizam um
número maior de códigos e procedimentos morfosintaticosemânticos.
Tratando
do segundo ponto aventado acima, sobre a prática de escrita enquanto processo
de realização e assimilação de procedimentos inerentes à língua por meio de técnicas,
a tomada de consciência não é um processo mágico ou imediato, com resultados a
curtíssimo prazo. Na verdade é um modelar a base linguística textual que já
possuímos por meio da prática contínua de técnicas de prática de produção,
acompanhadas de supervisão e orientação de alta qualidade, como registros dos
referenciais para modelamento dentro das perspectivas teóricas adequadas, assim
como interação com simulacros textuais de alta qualidade.
Em
2011 iniciamos um trabalho de treinamento de uma turma de Administração de
Empresas para realizar a prova do Enade, e o que me coube foi a prova
dissertativa, o que traz a tona a questão textual. Fundamentamos nossa prática
na seguinte perspectiva: Passada a fase do domínio das competências e
habilidades textuais básicas, os letramentos essenciais, ninguém ensina ninguém
a escrever, simplesmente aprimoramos o texto direcionado a um vetor. Logo,
partimos do primeiro texto, a primeira produção escrita que seria a base
modelatória. Dele partimos para várias correções e alterações, evoluindo em
três níveis: A, B e C, sendo o C o nível básico e simples, chegando no A
cumprindo todos os requisitos, formais, estruturais e argumentativos. Alguns
alunos necessitaram de três atos (reproduziram o texto mais três vezes)
chegando ao nível A. Outros necessitaram de mais atos (reconfiguração do texto
e orientação supervisão) do professor. Nossa ideia era aprimorar um único texto
em vez de pedir várias produções. Pretendíamos atuar mais na dinâmica da
profundidade e qualidade do que quantidade. E também porque o aluno almeja
produzir um texto adequado, final, completo. Dele teríamos um modelo.
A
nossa experiência logrou êxito, pois tivemos 62% de aproveitamento na
dissertação (a turma obteve 4 no Enade, ficando em primeiro lugar no Estado de
Rondônia e Região norte). Talvez um caso isolado, mas a intenção era que o
aluno chegasse até o nível pretendido, ou seja, todos tivessem a possibilidade
de galgar o nível adequado de produção, mesmo que repetidas vezes
reconfigurando seu texto. Logo, preferimos passar um único tema e trabalhar este texto até exaurir suas dificuldades e galgar o nível A, do que optar por vários textos e temas. Muito do que temos de falta na qualidade na escrita
acontece por ausência de metodologias mais aplicadas e eficazes, que busquem
efetivamente os resultados melhores.
Aplicamos
a mesma técnica na turma do primeiro período de Arquitetura em 2018. Os textos
prontos e acabados também se tornaram trampolins para o modelamento com mais
qualidade, evoluindo sobremaneira os referenciais de produção escrita da turma.
Concluímos que o aluno precisa estabelecer contato com um texto bem escrito,
compreender seu funcionamento e critérios, exercitar sua lógica. Para tanto,
ele precisa mergulhar profundamente em sua própria produção, de modo orientado
e supervisionado, com os referentes corretos. A repetição dos processos e
procedimentos inerentes à Língua Escrita e linguagem proporcionam no escrevente
apropriação destes mecanismos, conduzindo ao melhor domínio da prática.
Somadas
às produções modelatórias em caráter vertical de orientação e supervisão, mais
a interação com leituras de qualidade, podemos iniciar um trabalho de evolução
do texto em tempos modernos das redes sociais. As redes sociais não expurgam a
escrita. Elas modulam a escrita e se utilizam dela. Por outro lado, as
tecnologias da digitalização e distribuição de conteúdo escrito possibilita a
democratização de bons textos, sem muitos custos. Neste ambiente temos a configuração
ideal para expandirmos a qualidade textual do nosso discente.
Comentários
Em uma turma 7 ano, usei a reescrita do mesmo texto quase por um mês, o resultado foi a publicação de um livro no site, spiritfanficns.com.BR
Gostei muito desse texto