SEMIÓTICA & MARCA - UM ESTUDO DE CASO FOTOGRÁFICO DA HARLEY DAVIDSON

O processo de Semiose pode ser entendido dentro da criação de uma marca como a evolução do signo Icônico rumo ao símbolo. É um processo de interpretação do signo em suas fases de realização tricotômica, tanto em nível de representação, quando de interação com seu decodificador e a forma de comunicar essa decodificação. Abaixo uma pequena reflexão fundamental e uma análise fotográfica da comunicação visual da marca Harley Davidson. 

Rômulo Giacome de Oliveira Fernandes
Lillian Telma Naitzel Siring


Charles Sander Pierce em sua obra, com oito volumes, Collected papers (1931-58) tem cerca de trinta formulações distintas sobre Signo. Entretanto, seu conceito mais divulgado, também limitado, é a afirmação de que “Signo é alguma coisa que representa algo para alguém”.


Defino um signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um
Objeto e, de outro, assim determina uma ideia na mente de uma pessoa, esta última
determinação, que denomino o Interpretante do signo, é, desse modo,mediatamente
determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação triádica com seu
Objeto e com seu Interpretante. (Peirce, p.8.343)

Nesta conceitualização, Pierce enaltece a relação triádica do Signo, sendo composta pelo Signo-objeto-Interpretante. Destaca-se também a relação do Signo com o seu Objeto e do signo com o interpretante. Esclarece também que Interpretante é algo criado pelo próprio signo, ou seja, “ a relação deve consistir de um poder do signo para determinar algum interpretante, como sendo signo do mesmo objeto.” (PEIRCE, p.1542).

Um representamen é o sujeito de uma relação tríadica de um segundo, chamado de seu Objeto, Para um terceiro, chamado de seu Interpretante, esta relação Tríadica sendo de tal ordem que o Representamen determina que seu Interpretante fique na mesma relação tríadica para com o mesmo objeto para algum interpretante. Peirce (1.541)

            Grosso modo, os sinais da cultura e da língua, tanto das linguagens naturais ou constituídas, são os signos que nos impactam, e constituem em nossa mente uma dupla articulação: simultaneamente signo e interpretante. Acabamos por mediar a relação entre o signo e seu interpretante e objeto.

Para Peirce o Objeto é aquilo que determina o signo, ao mesmo tempo em que é aquilo que o signo, de alguma forma, representa, revela ou torna manifesto. Não se deve considerar como restrito a um elemento material, concreto.
O Interpretante pode ser observado como aquilo que é determinado pelo signo ou pelo próprio objeto através de mediação do signo.
A relação triádica do Signo é responsável pela possibilidade de interpretação do signo. Para que haja a relação, tida com um final, a interpretação, necessário se faz a relação triádica, ou seja, o signo percorre três caminhos.
A primeira categoria que se refere a qualidade “(...) é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem interferência a outra coisa qualquer” (Peirce). Segundo Peirce, a segunda é a categoria da comparação, da ação, do fato da realidade e da experiência de tempo e espaço. É na terceiridade que o signo se completa, formando a noção do signo, ou seja, o processo de semiose.
Nesta relação de qualidade deve se considerar a potencialidade sígnica estabelecida nas três categorias: qualidade interna (mera comunidade de alguma semelhança torna-se um ícone), qualidade relativa (correspondência de fato ou relação existencial) e qualidade imputada (convencional, lei).

Esta relação de interpretação do signo é o processo de Semiose, quer dizer, ação ou influência que consiste ou envolve a operação entre sujeitos. Sempre estabelecida na relação triádica, primeiridade, secundidade e terceiridade.     A respeito da utilidade e uso do signo Walther-Bense apresenta:

Os signos são criados para atingir certos escopos, para executar determinadas tarefas: pretende-se, por meio deles, dar expressões a algo, representar algo e comunicá-lo a outrem. E já que toda e qualquer coisa pode ser explicada por signos, existem os mais diversos signos, os quais servem para a expressão, ou seja, formação, para a representação, ou a informação, e para transmissão, ou seja, a comunicação. (...) que todo signo concreto eficaz não depende só do repertório, mas também da situação. Que se empreguem signos, visuais, auditivos, tácteis, olfativos, gustativos ou suas combinações, é determinado: 1. pela situação, na qual o signo é usado, 2. No ambiente a que pertence e, em terceiro lugar, por aquilo que exprimem, designam ou representam e por quem, de algum modo devem atingir. Essas explicações gerais tornam evidente que o signo é compreendido, em primeiro lugar, como meio de um repertório, em seguida vinculado a um domínio do objeto e a um campo de interpretação bem como a um ambiente, uma situação, e finalmente, a um determinado“canal de comunicação...” (Walther- Bense, 2000, p.09)

ESTUDO DE CASO "HARLEY E DAVIDSON"

Antes de qualquer coisa, é necessário ressaltar que nossa análise será estritamente visual, utilizando suportes como os layouts e fotografias, com objetivo de entender cientificamente e pelo método semiótico o processo de semiose da marca Harley Davidson.

Ponto 1 - Uma marca não é apenas uma logo ou um nome; uma marca é um conceito complexo; está ligado à relação entre identidades, contextos e ideologias, bem como padrões de consumo e comportamento. Uma marca "representa" uma esfera cultural, seja ela, a título de exemplo: esfera dos esportes, do lazer, entretenimento. Assim, não podemos resumir o estudo da marca citada somente pelo seu logo, ou nome, apesar disso exercer forte influência de comunicação.

Ponto 2 - Os recursos semióticos utilizados para potencializar uma marca, são signos no campo da representação e, logo, devem ter a função de comunicar aos novos interpretantes o conceito da marca, tentando trazer todos os efeitos de qualidade, causa, forma e legitimidade necessárias. 

Ponto 3 - Os recursos semióticos de uma marca, tem além da função de mensageiro e portador das informações essenciais, o escopo de manter a legitimidade simbólica dela, evoluindo quando preciso, mas mantendo a tradição sempre. 

ICONICIDADE  

O Motor em "V". A iconicidade da marca Harley se dá, antes de tudo, no campo de sua existência mecânica; o formato de seus motores em V, chamados de v-twin, é uma inovação que data desde 1909, mas que não afeta somente aspectos de uso do produto, mas sua relação com o mundo da linguagem. Esta particularidade, aparentemente que só diz respeito a quem entende de motores, diz muito para qualquer usuário das motocicletas. Mas diz muito também ao caráter icônico dos signos. O "V" dos motores, saiu da matemática motora e foi para os signos, eclodindo em uma visualidade e representatividade. O V surge no campo icônico do seu formato, sonoridade e significado; valorizado pela comunicação semiótica, ressaltado e difundido, possui fácil assimilação pelo interpretante, constituindo um interpretante dinâmico, que logo também é signo e representação. Em linhas gerais, assimilamos o ícone e valoramos (valor judicativo) divulgando e agregando valor. Falamos dele e nesta busca da qualificação, consideramos esta característica icônica uma marca simbólica da marca de efeito positivo. 
Fonte: 
O Som do Motor patenteado. Neste ponto que aqui estamos é importante demarcar que não escrevemos um texto de caráter mecânico. Mas de contexto semiótico. Isso posto, devemos entender que a semiótica estuda os signos, e estes representam a realidade ou inferem uma realidade. Mas de todo o modo, a criação de um mundo sígnico sem objeto (referência) ainda é uma missão difícil. Assim, estudar uma marca é sempre analisar aquilo que lhe é peculiar e identitário. Primeiro analisa-se aquilo que a torna o que é, e depois como os signos conseguem manter do jeito que é. O som dos motores Harley sofreu várias tentativas de patentes e obteve êxito parcial em 1990. Por sua peculiaridade sonora e identidade unívoca, podemo declarar que é um logo sonoro de primeiridade.
  
INDICIALIDADE



Inserção no tempo e no espaço. Estas duas características icônicas da trajetória do produto, citadas acima, são contrapostas ao tempo e ao espaço. Para que esta marca pudesse ser o que é hoje, além de esculpida pelos mais de 100 anos de tradição, ela teve que sustentar-se signicamente em locais onde outras não se sustentaram. Seus logos, suas características e seu nome estiveram indexados a espacialidade e circunstâncias históricas relevantes para sua sustentação e tradição. Primeiramente a manutenção oral de suas características pode ser explicada pela inclusão de seus produtos em três situações sociais: a recessão Americana de 29; as corridas de motocicletas no meio rural dos EUA; e a participação das motocicletas nas guerras mundiais, que expandiram suas potencialidades. 










As corridas eram suportes de divulgação regional da marca e maneira de consolidar o nome, que por seus aspectos significantes torna-se poderoso. 




As guerras mundiais foram plataformas para a evolução e legitimação da marca. A possibilidade de expansão do nome e das características perpassam por sua internacionalização. Dentro da semiose, entendida aqui como processo, é muito relevante para uma marca ter seus produtos, logos e memórias orais compartilhados em circunstâncias especiais, que ficam esculpidas na história geral e individual das pessoas.
O índice tem como constituição a relação factual com uma quebra do regular. Nesta quebra, sua sedimentação na interpretação e assimilação dos elementos que o compõem tornam-se ampliadas. Assim, dado signo indicial ligado a algum fato emocional histórico, que possui registro e memória, potencializa esse signo, seja o que for. 



SÍMBOLO

Vários são os passos que a semiose irrompe para chegar até uma marca de sucesso. Obviamente que a relação tempo / espaço / suporte são variantes obrigatórias. Assim, a marca se reproduz em signos naquilo que possui de valor para seu grupo de interpretantes. Em outras palavras, um logotipo só vai lembrar e sugerir parte das características que uma marca tem a seu favor. Assim, a marca Harley e Davidson não é apenas o seu "Bar & Shield", ou seja, o logotipo clássico e suas variantes. Ela é um conjunto de características e estratégias de signos no decorrer de um amplo espaço temporal e espacial.
A palavra semiótica desta última fase chama-se legitimidade. Eu posso afirmar que o meu produto possui durabilidade e confiabilidade, mas não tenho um impacto de valor judicativo positivo se não possuir legitimidade. Claro também que legitimidade se manipula e confecciona, sem necessariamente corresponder a verdade.
Em semiótica podemos incutir valores e crenças, qualidade e defeitos sem necessariamente corresponder aos fatos. A realidade imediata que conhecemos é a realidade dos signos.


O extremo caso de sucesso da Logo Harley



O logo da Harley, também chamado de "Bar & Shield" possui um capital semiótico de representação altíssimo. Isso porque é resultado de um processo de semiose e mitificação secular. Metodologicamente ele tem a função de lembrar as características que a fizeram enquanto marca. 


Alguns elementos semióticos podem ser analisados:

1 Iconicidade do formato do Motor em "V". O centro vertical ressalta e sugere o design do motor em "V" e as questões mecânicas que estão envolvidas nos dois cilindros. A ambiguidade deste formato também sugere as imagens inconscientes da tradição, da polícia e do exército. 

2 O logo manteve até certo tempo a horizontalidade; mas os novos suportes de mídia, como a internet e outros determinaram um formato mais quadrado ou vertical.

3 Aspectos significantes (fonéticos) do nome. Estudos semióticos apontam a sonoridade do nome da marca como forte indicador de sucesso. No caso em tela, a sonoridade siléptica de "H" aspirado, com "R" e vogal crescente discreta "Y" da primeira palavra, tem o contraponto binário da segunda, com duas consoantes dentais "D", harmonizando com o fricativa "V" e ondulando na modulação nazal "Õ". Pela fórmula fonética icônica "H; R; Y; D; V; D e Õ"  constitui uma combinação sonora de amplitude e potência. 

Por fim, a semiótica da última década tem estabelecido contato com gêneros de estudos a respeito de marcas e o universo cultural da modernidade. Uma área que tem crescido ultimamemente é o "Branding". Conhecido como gestão de marca. 

Os conhecimento semióticos podem nos dar suportes e fomentar melhor entendimento e análise das questões de marca dentro de nossa indústria cultural

REFERÊNCIA TEÓRICA

SIRING, Lillian Telma Naitzel. AYRTON SENNA E A SEMIOSE DA TRANSCENDÊNCIA:
DO ÍDOLO AO MITO.  Monografia. Unesc: Cacoal, 2004. 

Comentários

Larissa Kailane disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Larissa Kailane disse…
Com esse texto consegui organizar melhor a ideia da tríade do signo e entender como os seus elementos trabalham, em conjunto, a fim de suscitar interpretações. Quanto mais eu leio acerca da semiótica, mais eu percebo a sua abrangência de estudo. Acredito que pode se tornar meu novo vício.
Abraços.
Teoliterias disse…
Oi Larissa, que bom que gostou; a tríade tem bastante aplicabilidade, pois é uma lógica de aplicação e pode ser utilizada em muitas naturezas,sígnicas. Um grande abraço.
Gabrielly Vitória disse…
Ótimo texto,deu um complemento ao que o senhor ensinou na aula passada. Agora pude compreender melhor o assunto.
Unknown disse…
Uau...a abrangência do estudo da semiótica era desconhecida para mim. Estou ainda mais interessada nas aulas. O texto foi um ótimo complemento da aula passada. Pricila.
Unknown disse…
Foi bastante esclarecedor o texto, consigo agora entendernos signos e a crescente até chegar ao símbolo, como abordado nas aulas anteriores. Além de gostar de motos. Muito bom.
Bianca disse…
Incrível os estudos da semiótica! A oportunidade de sermos apresentados a algo que poucas vezes paramos para pensar do "como acontece?" "Por que desta forma?" "Qual o processo?" Mas que a partir de agora podemos analisar com outro olhar... Gostei muito do conteúdo do texto, que contribuiu na ampliação e eclarecimento dos conhecimentos já adquiridos no grupo de semiótica.
At.te. Bianca de Sousa
Unknown disse…
Confesso que nunca me imaginei interessada por motos, mas o texto de forma clara e o estudo sobre a marca Harley Davidson aguçam a curiosidade! De modo objetivo o texto e a análise da marca retomam conceitos já expostos em sala de aula e trazem à tona outros de modo a acrescentar o estudo amplo que a semiótica abarca. As várias formas de representação de determinado ícone, o processo chamado de "semiose" que torna determinado ícone em símbolo e sem dúvida sua interpretação por meio de seus observadores. Excelente texto e análise!
Atenciosamente, Ana Gabriele.
Unknown disse…
Eu estou encantada com esse texto. Quantas coisas interessantes para observarmos, coisas que eu nem imaginava poder analisar. Simplesmente incrível!
Unknown disse…
Suelen P. Bastos