CORINGA E A DITADURA DO RISO


por Rômulo Giacome de Oliveira Fernandes

Coringa chocou porque é um filme sem firulas. E o que choca é a realidade, nua, simples. Um filme feito com o corpo, simplesmente. E pessoas, onde os vilões são todos nós, bem como as vítimas.


            Coringa não é um filme tenso. Coringa é apenas a realidade vista no detalhe. O mais cruel detalhe do dia a dia. Nas esquinas, nos trabalhos mais simples executados pelas pessoas mais simples em busca de identidade. Nas pessoas ao nosso lado, que esperam. Em nós mesmos que esperamos. Naquilo que deixamos de falar e fazer ao outros e esperamos sempre. E isto sufoca e nos faz ter reações incontroláveis. E muitas vezes estas reações são absurdas, como o riso e a alegria falsa, a foto mentirosa e a vida fácil. Mas Coringa levanta uma questão simples e do conhecimento comum: a ditadura do riso.

         Aquele riso que vem patológico, obrigatório e coreográfico. O riso de falsete e antecipado de propósito. O simulacro desse riso expõe as nossas fraturas. A necessidade que temos de parecer rindo, como que vitoriosos. Como uma competência obrigatória do novo tempo, rir para parecer forte, e rir para estimular situações que não são de riso.
            

        Mas o riso esconde uma performance oculta da sociedade. Somos impelidos a rir para apresentar nossos êxitos e, às vezes, nosso desdém. Somo obrigados a rir, como quem é obrigado a assistir um tipo de filme, um tipo de livro ou um tipo de música. E na verdade, percebemos que, impelidos a rir, temos que entregar nosso cartão aos outros e dizer: me ajudem, estou rindo, mas por dentro choro. E o perigo não está em rir, mas sim em se obrigar a rir. Assujeitar-se a um comportamento que não é seu ou não é o momento. Assujeitar-se a sempre rir como quem se apropria do que é certo em nossa civilização.
        

         E além disso, rir como quem emburrece; como quem perde maior parte do seu tempo fazendo coisas que não levam a nada. Que na verdade, nos levam ao ciclo vicioso dos interesses alheios ao nosso bem-estar. Mas quem pode julgar? E de que lugar? Estamos todos com a nossa carteirinha de patologia do riso.
         

          Este texto não é uma desvalorização ao riso. Mas uma observação descritiva das nítidas sugestões indiciais que o texto nos aduz. A maquiagem obrigatória que esconde o Crown; o gesto marcante de construir o sorriso com os dedos em si próprio e nos outros; essas camadas de maquiagem do palhaço é o filtro da existência que usamos para assegurar as correntes e grilhões que nos assolam.
           


Comentários

Roni Santos disse…
Ótimo texto para uma reflexão. Nem sempre por trás de um sorriso, existe alguém feliz ou alegre. Há sorrisos que podem significar que o dia está indo uma maravilha, ou pode ser um sorriso falso. Entre essa barreira que esta ao nosso alcance, podem haver um milhão de problemas disfarçados com esse gesto, que dependendo da situação estão muito longe dos olhos visíveis a eles. Há pessoas que sofriam de depressão, e pouco tempo antes de sua morte estam com sorrisos em suas faces, e não foram notadas as contradições desse gesto. Como foi mencionado acima no seu texto Professor Rômulo, "este texto não é uma desvalorização ao riso", por outro lado o riso sendo de coração, com objetivo de passar alegria, pode contagiar as pessoas, também podem ser tão cruéis quando significam ao contrário e serem sarcásticos.Abraço professor Rômulo.
Teoliterias disse…
Roni. Comentário mais que pertinente. Ótimas palavras .parabéns meu amigo. E obrigado por interagir.
Helem disse…
Perfeita reflexão sobre esse filme incrível, sobre a sociedade, sobre cada um de nós.