UMA GERAÇÃO INTEIRA DE REPRODUTORES NOS FARÁ MENOS PRODUTIVOS E MENOS FELIZES!


Por Rômulo Giácome de Oliveira Fernandes

Cada dia que passa atuamos mais como reprodutores de informação do que propriamente produtores dela. Atuamos sobremaneira replicando dados que coadunam com nossas próprias convicções e de modo letárgico, perigosamente, assumimos uma negligência em avaliar os dados, informações e fatos que nos vem (...) Podemos, facilmente e em pouco tempo, involuirmos a tal nível que passaremos a ser apenas condutores elétricos de informação criadas pelos outros e potencialmente multiplicadas por nós sem nenhum pudor. Isso porque essa dinâmica social do conhecimento nos tira um patrimônio dos mais caros na era do conhecimento: nos tira o poder de opinião real. Ao perder o poder de análise, interpretação e síntese, nos tornamos apenas agentes de reprodução inertes. Acreditamos estar opinando, mas estamos apenas renunciando ao nosso poder de opinar em prol de algum valor que acreditamos e que muitas vezes nos faz agir automaticamente. E infelizmente muitos valores são construídos sem a mínima condição de análise, pois são edificados por razões como a fé cega, a paixão e a paranoia. (...) Uma das grandes revoluções será a competência para lidar com o mundo das linguagens. Em um universo comunicativo cada vez mais semiotizado e monetizado, o indivíduo deverá ampliar sua capacidade de lidar com a comunicação, não apenas para se auto definir como cidadão e ser pensante, mas para ser bem sucedido em suas atividades remuneradas. Viveremos uma era da comunicação e da monetização da linguagem. Só podemos construir a nossa própria felicidade, não podemos assumir a felicidade do outro. No máximo apenas podemos compartilhar a felicidade alheia.


            Uma visão estrita sobre as plataformas de criação e distribuição de informação nos faz perceber o quanto evoluímos em matéria de suportes e mídias de veiculação de dados. No entanto, infelizmente, isto ocorre apenas no campo quantitativo, ou seja, no volume de informações produzidas e distribuídas em todos os canais de comunicação e tecnologias de informação disponíveis, incluídas aí as novas técnicas de digitalização e interação automática. Ainda estamos longe de possuir qualidade de informação. E a qualidade de informação está intimamente ligada, retiradas às questões éticas do jornalismo, ciência e política (para falar só de algumas categorias) ao nosso posicionamento enquanto reprodutores de informação.  Cada dia que passa atuamos mais como reprodutores de informação do que propriamente produtores dela. Atuamos sobremaneira replicando dados que coadunam com nossas próprias convicções e de modo letárgico, perigosamente, assumimos uma negligência em avaliar os dados, informações e fatos que nos vem. 
            Neste mecanismo fatal de replicação, atuam fatores semióticos e linguísticos contemporâneos das redes sociais (facebook, instagram e Twiter, para citar alguns) o que configura um novo fenômeno de interação social sem precedentes. Dessa forma, a possibilidade de interação automática com milhares de pessoas abre uma dimensão maravilhosa de criação e proliferação de conhecimento (ou seja, informações processadas e analisadas criticamente e em estado de uso). Mas o que percebemos é o contrário. O excesso de informações sem fundamentos ou comprovação (fakenews), bem como eivada de ideologias, criva uma massa de replicadores atuantes nos mecanismos de comunicação social, procriando, replicando e multiplicando exponencialmente as informações já prontas. Inclusive os meios de interação social da internet possuem toda uma configuração para promover tal postura, como a facilidade de compartilhamento sem necessidade de ler e a ausência de responsabilidade jurídica em muitos casos de proliferação de notícias falsas que tenham impacto social.
           Mesmo que atuarmos como replicadores ou reprodutores de informações legítima não desfaz o ponto central do problema: a nossa atitude prostrada de reprodução e não produção. 
E quando deixamos de produzir? Quando simplesmente atuamos como replicadores, sem ao menos sintetizar as informações recebidas. Quando assistimos um filme e não emitimos a nossa opinião. Quando estamos em posse de um conhecimento positivo para a sociedade e não colocamos em prática. Quando lemos um livro e não comentamos ou não expressamos a nossa visão. Estas pequenas ações já são elementares em uma sociedade do conhecimento. Devemos entender que somos abarrotados por dados, informações, fatos, números, fotos entre outros materiais que não configuram conhecimento. O conhecimento nasce da nossa interação analítica, crítica, comparativa entre outras categorias de construção epistemológica a partir de dados. A base da produção do conhecimento está no processamento dos dados em relação triangular, revolvendo a história e gênese do pensamento: tese, anti-tese e síntese. Eu recebo uma premissa que discordo com uma premissa que concordo e comparando-as construo uma síntese. Esse posicionamento analítico e crítico sobre a informação já nos evolui de replicadores para produtores de conhecimento. Devemos assumir o nosso protagonismo inteligente sobre as informações que nos cercam, seja ela de caráter verdadeiro ou falso (mais danoso ainda).
Mas é importante assinalar que nosso posicionamento de reprodutor e replicador é cultuado na própria universidade, onde tecnicamente é o ambiente de produção de conhecimento. Falsos pilares da ciência como:
- você não tem opinião, só doutor tem opinião.
- nunca escreva na primeira pessoa;
São premissas que devem ser melhor explanadas na Universidade, porque no sentido em que elas muitas vezes são postas, deflagram um efeito negativo de reprodução constante do que foi escrito e nunca a evolução do pensamento científico. Assim como a prática docente, muitas vezes carregadas de premissas de descaracterizam o conhecimento de cada integrante do processo.
E quais são os danos reais em nossa sociedade de informação? Nos transformamos de protagonistas do conhecimento em uma espécie de rede condutora. Elos inertes que apenas conduzem a informação ao portador. Células de condução fotoelétricas, sem ao menos a possibilidade de seleção do material que nos vem.
Podemos, facilmente e em pouco tempo, involuirmos a tal nível que passaremos a ser apenas condutores elétricos de informação criadas pelos outros e potencialmente multiplicadas por nós sem nenhum pudor. Isso porque essa dinâmica social do conhecimento nos tira um patrimônio dos mais caros na era do conhecimento: nos tira o poder de opinião real. Ao perder o poder de leitura, análise, interpretação e síntese, nos tornamos apenas agentes de reprodução inertes. Acreditamos estar opinando, mas estamos apenas renunciando ao nosso poder de opinar em prol de algum valor que acreditamos e que muitas vezes nos faz agir automaticamente. E infelizmente muitos valores são construídos sem a mínima condição de análise, pois são edificados por razões como a fé cega, a paixão e a paranoia.  
  Estritamente de caráter técnico, não difundo ou defendo caminhos políticos ou ideológicos nesse texto. A mensagem é que devemos assumir o protagonismo da criação do nosso conhecimento em tempos de crise e redes sociais. Em uma era de revolução do emprego, da economia de mercado para a economia financeira, da relevância da web para a prestação de serviços, e por fim, da criação de novas funções e atividades remuneradas nunca antes vistas, uma sociedade prostrada e dependente da informação alheia será presa fácil.
Uma das grandes revoluções será a competência para lidar com o mundo das linguagens. Em um universo comunicativo cada vez mais semiotizado e monetizado, o indivíduo deverá ampliar sua capacidade de lidar com a comunicação, não apenas para se auto definir como cidadão e ser pensante, mas para ser bem sucedido em suas atividades remuneradas. Viveremos uma era da comunicação e da monetização da linguagem.
Por outro lado, a própria noção de felicidade, tanto estudada pelas teorias filosóficas e psicológicas da antiguidade e modernidade, surgem hoje como produtos prontos e refinados pelos protagonistas e, muitos por aí, replicadores, acreditam que são chave exata e específica para a sua própria felicidade. É sempre uma outremização velada, disfarçada em “opinião real”. E é na felicidade que encontramos a maior importância do protagonismo produtor. Só podemos construir a nossa própria felicidade, não podemos assumir a felicidade do outro. No máximo apenas podemos compartilhar a felicidade alheia.
O nosso trabalho como docente está sendo repensado e ressignificado a cada dia, e não sabemos para onde vai. O que devemos e como seremos é uma incógnita. Mas em tempos de crise de conhecimento e existencial, muitos ainda conseguem ver oportunidades. Pensemos então nas mudanças, mas enfim, pensemos, e não deixemos que os outros pensem exclusivamente por nós.     

Comentários

Obrigada por compartilhar seu conhecimento. Li criticamente... Sinto muito mas serei reprodutora desse texto.
É difícil ser produtora!!!
Tenho uma dúvida, quando se refere a monetização é relacionado ao dinheiro?
Professor, excelente reflexão! Obrigada por nos ensinar e também a estimular o pensamento crítico. Precisamos urgentemente de produzir os próprios pensamentos!
Teoliterias disse…
Oi Lillian. Obrigado por interagir. Falo sim. A linguagem vai perdendo valor no circuito das relações educacionais justamente porque será monetização no futuro, ou seja, valerá dinheiro. Abraços
Teoliterias disse…
Oi Nidiane. Sim. Formarmos uma cadeia de conhecimento. Ler e assimilar informações já fazemos. Agora será produzir conhecimento. Obrigado pela interação.
Compartilhar leituras..tecer nossas opiniões, imprescindível na contemporaneidade bombardeada por informações falsas ...urge a necessidade de protagonizarmos conhecimento ...estímulos que dependem de nós educadores
Unknown disse…
Ótimo texto para refletirnos. Realmente somos replicadores de informações.
Teoliterias disse…
Sim Rosani. Urge de produzirmos conhecimento e fomentar essa produção. Abraços.
Unknown disse…
Temos estímulos aos pensamentos críticos mas nem tanto. A sensação que dá, é que sempre estamos reproduzindo, e não produzindo. Mas,se fazendo uma análise da tese e anti-tese, obtem-se uma síntese, o produto está mais acessível do que parece. Diante disso, não posso culpar os meios(faculdades, escolas,igrejas...) Pela minha improdutividade intelectual.
Teoliterias disse…
Sim, temos que fazer o que é ainda mais importante e que você elencou: a autocrítica. Eu mesmo me pego fazendo a todo momento e vejo o quanto ainda falho. Mas claro, sem neuroses.
Sandra Bertola disse…
Excelente texto professor. Não é de hj que nos questionamos sobre sobre o papel da Escola e do Professor nestes tempos onde as mídias sociais,(poderosas ferramentas de manipulação em massa) tem sido usadas, em sua grande parte, para manunipular aqueles que, ou pela pouca idade, ou pela falta de instrução e ou sagacidade, se submetem a reproduzir desinformação, confundindo-as equivocadamente com ideologias ou ainda utilidade pública. Chegamos a um ponto, onde, longe da luz das capacidades de análise, reflexão e sintese, reproduzimos informação que sequer lemos. Nos grupos de Whatsapp é comum vermos a mesma notícia sendo publicada por diversas pessoas, que por não lerem o q foi publicado anteriormente, replicam informação desnecessária e por vezes, sem veracidade, poluindo ambientes que foram criados com finalidades bastante distintas. É como se o ato de compartilhar fosse mais importante e urgente do que o ato de ler. Refletir seria algo muito demorado. E checar fontes então... Parece-me que além de não percebermos o nível de alienação em que vivemos, ainda perdemos a classe, o bom senso e o mútuo e necessário respeito que deveria pautar nossas relações, sendo elas, virtuais ou não.
Textos como este professor, nos instigam a pensar nos fins da educação. Que currículo precisamos implementar para que a formação de um Ser Crítico deixe de ser meramente "adorno poético" nos Projetos Políticos Pedagógicos e contribua com algo de real valor para nossa sociedade? Enquanto é tempo, precisamos deixar algumas posições de lado, para juntos, fortalecidos, nos voltarmos para o que realmente é importante a curto, médio e longo prazo.
Espetáculo de reflexão! Se pararmos para analisar tamanha responsabilidade ao compartilharmos uma informação, não a replicaríamos com tanta convicção. É preciso estar atento a todos os lados para não cometermos o erro de elucidar apenas uma verdade. Mesmo porque, não nos esqueçamos que, de uma forma ou de outra, também somos alienados. Ninguém é dono da verdade.
Teoliterias disse…
Oi Sandra, obrigado pelo comentário e pela análise. Sim, inclusive achei forte e pertinente quanto você fala sobre a postura crítica do aluno ser apenas um adorno em planos pedagógicos. E isso me fez pensar no que objetivamente estamos fazendo para transformar pessoas. A educação, infelizmente, precisa ser reconfigurada para atuar mais intensamente nessa nova cultura. E não será tarefa fácil, pois como você mesmo disse, precisamos deixar de lado conceitos e princípios que acreditamos ser imutáveis. Grande abraço e obrigado pela parceria.
Teoliterias disse…
Oi Rejane, primeiramente fico muito feliz de vê-la por aqui. Sim, devemos mais do que nunca atiçar nosso caráter silogístico, sabendo receber a tese, mas também a anti-tese, ou seja, a visão contrária, e a partir dessa relação, chegar na síntese. Nesse processo percebemos o respeito à opiniao dos outros e a nossa versão melhorada do que vemos, pensamos e achamos que pensamos. Abração minha irmã.
Mv disse…
Estou aproveitando um pouco dos cursos de Semiótica que você dispõe. Parabéns pelo Blog, pela iniciativa de compartilhar o conhecimento.
Abraço!
Teoliterias disse…
Olá Mv, obrigado. Fico feliz por contribuir.
Rogério Resende disse…
Excelente texto meu mestre.
Gostei muito dessa parte: "Mas é importante assinalar que nosso posicionamento de reprodutor e replicador é cultuado na própria universidade, onde tecnicamente é o ambiente de produção de conhecimento. Falsos pilares da ciência como:
- você não tem opinião, só doutor tem opinião.
- nunca escreva na primeira pessoa;"

Interessante!