crônica - A RETÓRICA DO AMOR: EM BUSCA DE UM ESPAÇO PARA SER

A RETÓRICA DO AMOR: EM BUSCA DE UM ESPAÇO PARA SERRômulo Giacome O Fernandes
Edvard Munch - O grito - 1893

Sempre me compreendi como um homem. Compreendi-me como um ser que em toda a dimensão espaço / tempo da existência, existia de modo real, concreto e, efetivamente, habitava o rol das coisas palpáveis. A primeira dúvida quanto à minha existência foi quando percebi que o que eu sabia de mim mesmo era constituído através do discurso dos outros. O que os outros construíam de discurso sobre minha pessoa afetava o meu próprio reconhecimento. Legitimei esta constatação e percebi que para os outros, existo enquanto signo humano, dotado de sentido e intencionalidade, bem como bruta significação. A linguagem estava mais próxima de tudo do que imaginava. Se minha existência estava intimamente ligada ao discurso que faziam de mim, e se meu próprio auto-reconhecimento relacionava-se a como os outros me viam, a linguagem estava em mim mais do que eu imaginava. Conclusão, represento mais do que existo. Logo, se faço parte de um todo maior, onde tudo também representa e, minha pequena parte deste todo, (eu mesmo), age como signo, existo apenas enquanto linguagem. Reconhecendo-me enquanto processo da linguagem, amo como quem escreve um longo texto.



O amor é um texto. O amor é um texto que vem sendo escrito durante muitos séculos;
Mas, onde posso adormecer minha compreensão? Onde posso dormir sem cair e despencar em novos textos? O amor vem sendo construído durante toda a minha vida, e agora ele passa pela minha frente, em conceitos que eu acreditava serem imateriais, e que são simplesmente frases velozes, palavras, letras, formigas, passando, correndo, irão chegar ao fim dos tempos?
O fim dos tempos também é texto;
E o amor? Se não o quero, o nego; É fácil negar o amor. Enquanto texto, posso sempre negá-lo; é só construir a anti-tese; antítese, o paradoxo que agora, desapegado, não pode mais ser senão texto; é fácil, principalmente para quem conhece muito bem o mundo da linguagem; é fácil avaliar um discurso; medir uma oração.
Mas nem toda a retórica do mundo sustenta a morte; descontruo a vida e percebo que a morte não se textualiza; para a morte, não existe metáfora; a morte não aceita texto; mas, e o amor? A escritura pode despertar o amor, pode descrever o amor em seus sub-textos, visto que enquanto eu entendo o amor, entendo-o comigo; ele está em mim; em minha compreensão e em minha linguagem; mas o amor não termina; a escritura é uma armadilha da retórica.

Achava eu que sempre estava perto do amor; achava que o entendendo estava sentido-o; minha mente não conhece nada além daquilo que entendo estruturado, marcado pela referência; enquanto construía o amor em mim, como aquilo do que sempre compreendi, descontruía o Amor; e se mesmo este, ainda tão incognoscível, não fosse apenas um nome, perdido em uma língua estranha, compreendida por uma pobre mente limitada e sub-universal, como sub-referência a si próprio, estaria errando. Não posso referendar-me; só me conheço pelos outros, pelos modelos que os outros criaram para equipar minha parca, tola e limitada visão de mim enquanto signo de mim mesmo; para mim, não existo;
Procuro, neste exato momento, uma metáfora para exemplificar o que sinto; estou mentindo, pois não existo fora de mim, existo enquanto discurso; sou uma mentira naquilo que me compreendo; pego-me agora, sem pensar em nada, um instante de pura existência; preciso de um espaço fora da linguagem, para que possa existir. Estou sufocado. Não existo enquanto ser. Existo para despertar, para nomear, sou utilitário, tal qual um signo, sempre direcionando. Sinto-me preso a minha compreensão auto-reflexiva.
Deliro em Nietzsche: será que ele adoeceu por existir em si, como signo de si mesmo, e nesta limitação da linguagem, aprisionado como um ser particularizado pelo sistema carcerário dos limites conceituais e das estruturas criadas pela história, não morreu? Sim, porque a metáfora é a vaca gorda, deitada no pasto verdejante das hipóteses. Sim, Derrida estava certo, desconstrua. Decline o texto, destrua os nós, coesões e descubra que por trás de todo o texto, sim, existe o nada. E o nada é a única coisa que existe de verdade; é a única coisa que realmente toca a efetividade; sim, desconstrua e descubra que para cada texto, existe apenas uma intenção: a intenção de ser e a intenção de ter sido; eis que brincamos em um imenso teatro de intenções; onde estamos realmente?
Tudo o que vejo já não me satisfaz; procuro as lacunas deixadas por mim, procuro estar atento aos detalhes e se não existem procuro criá-los; na realidade, estou cansado em algum lugar de mim mesmo, na imagem que represento enquanto preso ao sistema de códigos que eu mesmo criei para encenar. Mas isto não me cansa como linguagem, na realidade quero sempre mais, sempre o argumento dentro do cenário, quero refletir sobre a vida, desmontar o código, avaliar o amor como um símbolo, aplicar os conectivos nos lugares certos, antever a coesão dos fatos que me apresentam, e minha cabeça dói; nesta tolice, sou apenas um fragmento boiando no mar de interjeições; como um ser pensante, não passo de um fragmento, sustentando o pensamento Universal naquilo que ele tem de repugnante: a idolatria e a pretensão;

Pensem em nada neste momento; deixem fluir o Caieiro (Fernando Pessoa); sim, deixe-me contemplar o infinito espaço de não pensar em nada, de não fazer nada, de não existir; (sim, porque já estou existindo cansativo, imitativo) estou imitando a mim mesmo, sou linguagem e isto me desespera; deixe-me pensar em nada e sentir o nada como um imenso vazio existencial. Deixe-me contemplar o vazio e o não medir o tempo, deixá-lo esgotar, até que canse de ser referência. O tempo não passa efetivamente, o tempo é simplesmente um discurso sobre a dinâmica da vida.
Só os desatentos são felizes; vamos Des-alfabetizar o mundo; não estamos condicionados a quem nos ama, mas somos aquilo que amamos; Pensando bem, criemos o processo de Des-Alfabetização. Des-alfabetizar o mundo é libertá-lo do estigma de encará-lo como um discurso pronto e acabado, sem o direito e a liberdade de desconhecer. Sim, pois o desconhecer das estruturas, o desconhecer das entre-linhas, é liberdade incondicional. Logo, pergunto-me: Leitura de mundo? É possível ler o mundo? Que mundo nos aparenta? Um conglomerado de recursos, de técnicas e instrumentais, códigos meta-explicados? Um entrecruzamento de acepções sobre o fenômeno real, onde o fato existe enquanto compreendido dentro da linguagem? Um pôr do sol poético? Um amor eterno? Até onde vai o efetivo e o imaginário? Nos adjetivos gastos pelo solado do tempo?

Uma rosa para o meu amor;
Não entendo a expressão de sentimento enquanto a manifestação de instrumentos semiotizados; uma rosa para meu amor; uma eterna rosa para meu eterno amor, em um amplo cenário de por do sol. É isto que eu sempre procurei, na pretensão de confundir realidade com discurso. Como se através destas representações semiotizadas pudéssemos enganar o mundo quanto aquilo que sentimos realmente. Um por do sol de Robert Frost, ou quem sabe, Keats. Eu caibo perfeitamente como um sintagma, dentro das minhas próprias crenças. Embolo-me na teia imaginativa dos vocábulos e acho, que isto, é vida. Vivemos simulando o que sentimos. O primeiro a pensar em simulações foi Platão, com sua mimese. Não vivemos o mundo, vivemos um mundo que construímos a partir do dado material imitativo. Vivemos em um simulacro onde tudo não é real, mas sim compreendido pela linguagem, abarcado pelos signos visuais, sonoros e até mesmo conceituais. O simulacro é simular a vida, como bem tocou no problema Jean Baudrillard. (Simulacros e Simulações).
Procuro um amor que sempre esteve dentro de mim, e que descontruí por tantos anos, e talvez agora, mais do que nunca, sepulte-o eternamente, renascendo o novo.


Quanto ao amor, há mais explicações sobre o amor em falar nada sobre o amor do que toda a nossa indumentária retórica. Lamento. De tudo isso, apenas AME.

Comentários

Anônimo disse…
Caríssimo professor Rômulo Fernandes, o seu texto é simplesmente sublime. Alguns pontos chamaram-me a atenção:
a) A noção do discurso do EU ser o discurso do OUTRO. Fico imaginando o que deve pensar cada pessoa isoladamente sobre essa questão. Ainda bem que o senso comum não sabe disso... Iria pirar de vez... Não sei se o mundo tem tantos psicólogos para dar conta desta descoberta da falta de identidade do EU, ou seja, da transferência da idantidade do OUTRO para o EU, da convivência do OUTRO no EU. Loucura mesmo...

Um outro ponto máximo do texto "A Retórica do Amor" é o reconhecimento do EU na condição de linguagem: um grande e complexo sistema semiótico... Ou até mesmo um único signo simples, mas que é feito por si e pelo outro como algo de máxima complexidade.

Sou também partidário dessa noção de que tudo é signo, é texto. O homem possui em si a mais perfeita multimodalidade textual, é ele uma multilinguagem ambulante, a síncrese de todos os textos (seus e de seus contextos).

O trabalho diante do discurso do própiro AMOR é a chave de tudo no texto. O amor é discurso, o amor é linguagem, o amor é texto, EU sou AMOR, o OUTRO é AMOR, o AMOR é o OUTRO manifesto no EU.
Anônimo disse…
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Anônimo disse…
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Anônimo disse…
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Anônimo disse…
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Anônimo disse…
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see you around and Thanks

(sorry if this is the wrong thread to put this post)
Anônimo disse…
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