Resenha - BATMAN “O CAVALEIRO DAS TREVAS” E O PODER DA REPRESENTAÇÃO (2008)

BATMAN “O CAVALEIRO DAS TREVAS” E O PODER DA REPRESENTAÇÃO (2008)
Rômulo Giacome de Oliveira Fernandes

Poderíamos iniciar esta resenha abordando a atuação maravilhosa de Heath Ledger e seu Coringa; falar que nunca se viu um vilão tão humano em suas patologias clínicas e sociais. Um psicopata do crime, que penetra e rompe a própria camada do tecido social mergulhando na epiderme criminosa, como um câncer do próprio câncer; ou também da atuação escandalosamente boa de Aaron Eckhart e seu promotor Harvey Kent,
que ao transformar-se no “duas caras”, constrói, mais uma vez, ambigüidades letais nos vilões do filme, ambigüidades estas que vão rondar a constituição de quase todos os personagens: o bem e o mal é apenas uma questão de lado, discurso e momento; assim, já poderíamos concluir que Batman “O cavaleiro das trevas” é um filme de vilões e pouco de heróis, onde o próprio herói, figura esmaecida pela atuação in persona do curinga e do duas caras, vive sua ambigüidade e quase uma esquizofrenia ao tentar situar-se em meio ao caos gerado pelo vilão.
Mas, uma linha de análise que pode ser riquíssima é o poder de representação e suas relações com a comunicação de massa e a ideologia. O Batman desta película não é um Batman comum. É um Herói, da mesma forma com que se funde e confunde-se com a escuridão que o envolve, tornando-se apenas uma vaga forma fantasmagórica que o permite comunicar-se com o imaginário de todos, é agora um ente que consegue interagir, de forma simbólica, com outros símbolos. Ao representar o terror, passa a lidar e a manipular o medo dos bandidos, mas em certa medida, passa a representar o próprio medo da população em lidar com os limites e a linha tênue entre o bem e o mal. Este limite pouco definido e enegrecido pela visão do terror, gera o pânico social e as convulsões que são tão caras ao coringa, vilão manipulador destas condições. Por outro lado, é motivo de reflexão sobre a própria arte de ir tão à fundo nas representações e incitar aquilo que todos, eu digo todos, sem exceção, tem de recôndito nos resvalos da maldade e do oculto da alma. Emanar tão grande poder tem tudo a ver com ressuscitar valores coletivos escondidos por meio de um instrumento avassalador, a comunicação simbólica de massa. Usando de tal instrumento, o Batman é mais forte do que qualquer outro herói e consegue penetrar nos blocos sociais e na comunidade criminosa como um símbolo da onisciência e onipresença do vigilante eterno e determinado, sempre à espreita, confundido e agindo sem estar presente; (lembrem-se quando outros policiais vestem a máscara de Batman e o próprio holofote com o símbolo deste, projetado nos céus de Gotham);
A força simbólica enquanto instrumento de guerra, fato que nenhum outro filme abordou de modo tão significativo, é o próprio alvo da dúvida de Bruce, que se permite questionar a missão e o sucesso de Batman frente aos seus desígnios. Enquanto símbolo, o herói tem o poder de falar com outras instituições simbólicas como a ética, verdade e a justiça. O alinhamento entre estas instituições, permite singularizar o processo de comunicação em prol da necessidade de legitimar seus agentes, ou seja, quem a população legitimaria como executor da lei e da justiça? O Batman e sua figura ambígua ou o promotor, imbuído pelos ideais de pacificação social?
Estas tensões, que ao mesmo tempo colocam Batman como um herói e justiceiro, permitem a dialética letal do bem e do mal enquanto categorias análogas; este diálogo entre estas determinações categóricas impede o cavaleiro das trevas de ser instrumento de justiça; a distância entre os valores de um e outro determinam a criação de um novo símbolo que possa promover a tão aclamada pacificação social; este símbolo público novamente implica na comunicação de massa, ou seja, na construção de uma identidade social e institucional que possa acalentar os valores abstratos da sociedade. Assim, busca-se na figura do promotor o verdadeiro herói, aquele que realmente está do lado da justiça; e como poderíamos falar nos antigos filmes de super-heróis, do lado do bem. Logo, não basta o poder e o fazer ao prender os vilões; no contexto contemporâneo do filme é preciso a legitimação simbólica das instituições legais e sociais.
Por tratar de comunicação do início ao fim desta breve resenha, é salutar entender a ideologia como os ventos que sopram as velas do navio, que ora são invisíveis, mas que suas forças são totalmente materiais; Umberto Eco (1995) afirma que a (...) ideologia é como um vírus, que altera o movimento do sistema e consegue realinhar este movimento para outra dinâmica. Em outras palavras, o Coringa é um vilão ideológico e muito mais complexo do que aparenta ser; por trás de sua loucura existe um manipulador ideológico cônscio de que para demover a estabilidade que permite à sociedade certa noção de tranqüilidade e segurança, basta provocar o caos no sistema por meio de ações ilógicas, rompendo com qualquer possibilidade de previsibilidade; esta condição de imprevisibilidade e ruptura do andamento natural do sistema é o maior e mais moderno instrumento de controle e comunicação que existe; controle, pois manipula pelo medo e pela instabilidade dos eventos (quando teremos outro ataque? A quem?); e de comunicação, pois inaugura um imperativo de insegurança estampado nas ações coletivas; o chamado silêncio gritante do medo e da ansiedade, que provoca instabilidade e ações impulsivas; (o medo faria os tripulantes e passageiros das balsas apertarem o detonador?). Este tema é amplamente discutido em virtude do terrorismo trabalhar com os mesmo princípios de comunicação e controle. O próprio fato de o coringa utilizar apenas gasolina e dinamite é um forte indício de referência ao terrorismo enquanto condicionador da sociedade e, inclusive, uma forma de controle contemporâneo.

Quando entendemos ideologia como a direção a que o sistema de pensamento, sistema axiológico e iconográfico de uma coletividade caminha e se direciona, entendemos também que a comunicação de massa, com seus meios e fins (símbolos, mitos, etc.) é sua constituidora e gestora, salvaguardando seus princípios salutares; em Batman, é inaugurado de forma enfática e até de certo modo didática, a categoria ideológica que extrapola o símbolo e vai no nível mais amplo e interessante; o caos. A desfragmentação do sitema e o tilt ao elemento controlado induzem a sociedade ao erro coletivo. Bem, então nos fazemos a pergunta: Será que estamos preparados para viver sem controle? Estamos preparados para perder a estabilidade de alguém que pensa por nós?
O filme Batman não é só primoroso por ter sido bem dirigido e interpretado; nem por ter construído lendas a cerca das mortes e acidentes provocados, o que por si só já poderia ser considerado um instrumento midiático da produção; mas também é valoroso por situar no espaço e no tempo a força de representação da comunicação de massa e afirmar que, mais forte que os poderes ou os equipamentos tecnológicos de um super-herói, em tempos de internet e iconografia aguçada, é o símbolo estampado no peito e a forma como este herói vai conseguir trabalha-la na sociedade que determinará seu sucesso e permanência.

Links de resenhas que eu recomendo pela profundidade e especificidade com que abordam e analisam o filme: (confiram)

http://veja.abril.com.br/160708/p_162.shtml

O mito sobre a representação e a morte do ator que fez o coringa:

http://www.screamyell.com.br/cinemadois/heath_ledger.htm

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