CINEMA: A ERA DA INOCÊNCIA (DENYS ARCAND)

CINEMA: A ERA DA INOCÊNCIA (DENYS ARCAND)
Por Rômulo Giácome de O Fernandes






POR QUE ASSISTIR?

Denys Arcand fecha sua trilogia, aberta em Declínio do Império Americano (1986), Invasões Bárbaras (2003) com esta nova película. O que os outros filmes tinham de dramaticidade, este tem de humor, doses de ironia e um pouco de comédia.
A comédia não é o ponto forte de Arcand. Mesmo Leblanc, sob a face de Marc Labrèche como ator, com toda a fisionomia caricata, psicótica e nostálgica (cômica), demonstra que comédia não é mesmo a praia de Arcand. A noção francesa de humor satírico não é compatível com nossa maneira específica de fazer humor, mesmo que a cena do samurai, em que Leblanc, em plena reunião, corta a cabeça do seu chefe com uma espada, seja cômica.
O filme se constrói sobre a personagem de Leblanc. Um funcionário público que trabalha como ouvidor, é detestado pelas filhas e tratado com indiferença pela esposa, uma consultora funerária viciada em telefone. Os desafios diários de viver em um inferno, cercado por problemas que ele não consegue resolver, o impelem a viver uma vida de sonhos, sonhos acordado. Ele se imagina em vários locais sofisticados, históricos, como um escritor famoso e outras situações unusitadas, fruto de sua mente evasiva.
A Era da Inocência configura a patologia crônica de uma sociedade inundada de modernidade, onde Leblanc vive sua idiossincrasia com uma maneira de fuga, sonhando com um cenário inundado de referências nórdicas, intelectuais e sexuais. Fica nítido que existe um embate entre o indivíduo culturalizado, com referências clássicas e humanísticas, mergulhado em uma selvageria de sociedade tecnicista, assoberbada, desenfreada, individualista e marcada pelos instrumentos de absorção tecnológica: Ipods, Computadores, jogos e celulares.
A questão crucial é entender se o problema engendrado pela pelíciula é a ausência de cultura e seus elementos sensíveis em um universo prático, insensível, individualizado, apresentando o embate entre a ignorância e a elitização dos modos e dos costumes, ou uma maneira de fuga romântica psicológica constituído por Leblanc, demonstrando o conflito entre o ser liberto e sensível contra os indivíduos amarrados ao consumo e ao modo de ser civilizado/urbano.
Na verdade, Arcand traduz a nossa própria insatisfação enquanto sujeitos racionais e sensitivos em meio ao caos deste universo moderno, cravado pela falta de tempo, pela superficialidade das relações, pelo sexo gratuito, pela amizade interessada.
Devemos ao final do filme nos perguntar: somos Leblanc? Se somos, ainda temos um pouco de chance de sofrer e ser humanos; se não, já fomos abduzidos pela civilidade contemporânea, uma verdadeira idade das trevas.

Comentários

Anônimo disse…
Adoro os filmes de Denys Arcand! Os dos quais mais gosto nunca são citados:AMOR E RESTOS HUMANOS e JESUS DE MONTREAL! Não sei por quê só citam OS DOCES BÁRBAROS e O DECLÍNIO DO IMPÉRIO AMERICANO!?!?Neste último filme a cena em que mais ri foi aquela do Cavaleiro Negro em um torneio medieval e um cara filmando o torneio com um CELULAR!Como sempre o tema de Arcand é a saturação e decadência do excesso de civilização primeiro-mundista... Quem não gostou ou não entendeu ou não gosta de Arcand...