DOCUMENTÁRIO: ESTRADA DE FERRO MADEIRA MAMORÉ – EFMM

by Elisandro Félix de Lima
Madrugada do dia 25 de novembro. A cidade de Porto velho, capital de Rondônia recebeu uma leve chuva. Amanheceu totalmente nublada. O clima bem agradável, fresco, diferente do que geralmente é. Propício a uma boa caminhada. Meu objetivo era esse: caminhar. Caminhar até as Três Marias e a Praça Madeira-Mamoré. Do Hotel Novo Estado, local de hospedagem, até o destino desejado daria uma “pernada”. Com o café posto à mesa, fiz uma pausa necessária. Saciado. Pus-me a andar pela avenida Carlos Gomes, sentido Oeste de Porto Velho. Caminhar por lugar nunca antes andado me fez lembrar das palavras de Octavio Lanni “todo viajante busca abrir caminho novo, desvendar o desconhecido, alcançar a surpresa ou o deslumbramento. [...] cada viajante abre seu caminho”. Dizer que nunca havia pisado em Porto Velho seria mentira. Minha passagem por lá faz mais de dez anos, e naquele tempo, meus objetivos foram outros. Ao passar em frente ao Hotel Vila Rica recordei que foi ali que um dia entrei. Hoje, não parece tão moderno como era. A cidade evolui, as pessoas evoluem, tudo evolui. O trânsito, nem se fala. Quanta agitação logo cedo.

Alguns minutos depois: desvendei, deslumbrei. Avistei as Três Marias. Três Caixas d’água, que para alguns não passam de três simples Caixas d‘água. Para mim, as Três Marias são referências de meu estado. Um material histórico. Nunca tinha visto antes, assim, ao vivo e em cores. Mas, tudo era familiar, pelo que já tinha lido antes, e visto em fotografias. As três eram como se fossem velhas conhecidas que eu estava reencontrando. Ansioso, com minha câmera digital na mão. Registrei. Uma senhora humildemente colaborou comigo, mesmo sem saber manusear a minha digital, registrou para mim aquele momento. Eu e as três Marias.

Pude confirmar no pé de uma das Marias a descrição em inglês, com os dizeres “1912 Chicago Bridge & Ironworks Chicago Ill. Builders”. É a comprovação de um material trazido por gringos, há quase um século.
Atravessando toda a praça das Caixas d’aguas, pela rua Euclides da Cunha, dobrei a direita, entrei na Pedro II e já pude avistar o rio Madeira. Uma fotografia de longe registrei. Dobrei a esquerda, já estava na av. Farquar desci uma íngreme ladeira e a direita entrei. Meus pés estavam pela primeira vez sobre a praça Madeira-Mamoré. Abri caminho novo, desvendei o desconhecido conhecido. Era um déjà vu. Leituras que antes fiz, refletiam algo já conhecido, com um gosto de surpresa deslumbrante.

Um clique, outro clique e vários outros. A procura de um melhor ângulo. Pisar em trilhos sobre dormentes fincados ao chão, desde o início do século passado, foi emocionante. Enquanto fotografava o podre de um dormente, um funcionário da Ferrovia se aproxima de mim e pergunta: Você está tirando foto desse pau podre aí. Você sabe o nome disso aí? Sim, respondi. Isto é um dormente. Como poderia esquecer do nome dormente. Tanto tinha lido sobre a polêmica frase dos dormentes da estrada de Ferro Madeira- Mamoré. Cada dormente representa a morte de um trabalhador. Os mortos eram enterrados sob os dormentes (SCUCUGLIA, 2005). Claro que ao pé da letra isso seria uma mentira. Mas a metáfora tem sentido. Dormentes representam o sofrimento dos anônimos que deram suas vidas em prol de uma construção no meio do nada. Prolongamos a conversa. Ele se apresentou como Juarez, funcionário da Ferrovia. Gentilmente, falou-me sobre as veracidades das construções existentes no local, confirmando serem seculares, e sobre questões de segurança aos turistas. Ele me garantiu que o local é muito tranquilo durante o dia. “Eu estou sempre vigiando e aqui tem gente trabalhando o dia todo. A presença de vândalos e trombadinhas não tem mais, pelo menos, durante o dia”. Agora mais tranquilo, em saber que o local era seguro, despedidas a parte, continuei fotografando.

Era fantástico ver aqueles barracões antigos. Desvendar o desconhecido as vez é perigoso. Ao fotografar atrás da antiga cabine de venda de passagens. Um cachorro vigia late assustadoramente. Era ele com medo de mim, e eu dele. Preferi não arriscar. Fui procurar outro alvo. Fotografei uma antiga bomba d’água, bastante suja, em abandono total. Mais fotografias. Deslumbrei-me com a altura dos casarões, construções históricas erguidas pelos funcionários da empresa P&T Collins.
O momento era de apreciação. Olhava e fotografava, três velhos vagões. Lata velha estática, trambolho de ferro corroído pelo tempo, era como top model diante do fotográfo. E eram fotos em diversos ângulos. Enquanto fotografava, pensava: tudo isso, foi montado aqui, cem anos atrás. Vieram de outros países, do outro lado do atlântico.

Continuei a fotografar. Senti um tanto triste com o descaso governamental. Apesar de ser lata velha, deve ser valorizada, pois faz parte de nossa história. Caberia aí um zelo. Verbas para reativação da ferrovia e restauração das locomotivas sem comprometer as partes originais. Desde o governo Piana que a estrada de Ferro Madeira-Mamoré vem sendo esquecida. No governo Piana, com verba federal destinada a reativação da ferrovia, foi soterrado o girador de locomotivas para construção de um sambódromo. Ferroviários, arquitetos e outros defensores da EFMM, reunidos em várias entidades civis, entraram na justiça e conseguiram deter a destruição das instalações – inclusive desenterrando e recuperando o girador. (GÓES, 2006).
A lente da minha câmera fotográfica não se cansou diante de um material turísticos e históricos. Porém foi decepcionante para eu ver o estado deplorável das locomotivas e vagões. As imagens falam mais do que qualquer comentário.

Dentro do vagão. Sensação fúnebre. Vagão violado, vitimado. Cadeiras que presenciaram senhores, senhoras e donzelas em viagens até o ano de 1972, testemunham nas noites atuais, viciados em drogas. A fotografia é quem denuncia as sobras da festa.
Bondinho. Até que parece cuidado. Tudo isso! É patrimônio nosso. Devemos nos orgulhar e valorizar o que é nosso. Devemos zelar. A EFMM é uma das últimas linhas de trem a vapor no Brasil. É a única ferrovia na Amazônia. A história desta linha faz parte do patrimônio histórico nacional. Também, a história da EFMM é o patrimônio dos construtores americanos, ingleses, chineses, espanhóis, caribenhos, italianos e alemães que morreram durante a construção. A ferrovia representa a memória viva para estes trabalhadores e também para seus descendentes que decidiram morar na Amazônia. (GOES, 2006).

Em 10 de julho de 1972, às 19:30h, essa e outras velhas locomotivas a lenha da EFMM acionaram seus apitos durante 5 minutos, pela última vez. Encerraram naquele momento, diante de 50 mil habitantes de Porto Velho, 50 anos de atividade ao longo dos 366 km – Porto Velho a Guajará Mirim. Quando você conhece seus antepassados, por meio de estudos, você fica vulnerável ao saudosismo. Fiquei emocionado diante daquele trambolho de ferro. Não por ver a máquina. Mas, porque lembrei das vidas perdidas. Do sofrimento de anônimos, que por tão pouco se sujeitaram. Imagine o imenso trabalho que era derrubar a mata, aplainar o terreno, escavar para conseguir mais terra, fazer o aterramento e assentar os trilhos. Sem contar a malária, que quase sempre, resultava em morte. Os mortos eram enterrados sob os dormentes.



Após fotografar toda a Praça Madeira Mamoré. Direcionei-me ao lado, sentido a Guajará Mirim, onde segue os trilhos. Um senhor em uma bicicleta tenta convencer-me de que toda aquela lataria deveria ser destruída. Claro que ele não entende de valor histórico. Não foi aculturado a isso. Um registro dele e pronto. Um registro de um vagão destruído pela ferrugem. O casarão, também abandonado, com uma faixa Marinha do Brasil.
A antiga oficina, que também funcionava como garagem para as locomotivas está em total ruína. O girador de locomotivas contém grande quantidade de água parada. A água também tem um forte odor. Procurei fotografar o mais rápido possível. Havia muito mosquito naquele lugar. Fotografei em vários ângulos. Fiquei impressionado com o abandono.

Nesse casarão, encontrei com alguns estagiários do curso de Arquitetura de uma faculdade de Porto Velho. Apresentei-me ao pessoal e tive um papo com as alunas Maria Antônia, Andressa Duarte e Tarine Pessoa (S.U.S Consultoria e projetos). Perguntei qual era o objetivo do trabalho delas. Confirmaram que se tratava de um levantamento das peças, máquinas e estruturas do barracão para saber a origem delas e ver se é possível à restauração. Até comentei com elas se uma restauração não poderia alterar características originais das peças e estruturas, e assim, comprometer o que há de histórico. Elas disseram que é por isso que primeiro se faz um levantamento para verificar se é viável a restauração. Por enquanto, o trabalho está envolvido no levantamento de dados. Compartilhamos conhecimento, e logo tive que completar o trabalho, despedidas a parte. Senti-me mais seguro naquele local, apesar de haver por ali, escondido entre uma locomotiva e outra, um fumante. Pelo que me foi dito por uma das pessoas que ali estavam, trataria ser de um usuário de drogas que aproveitava a tranquilidade do local para tragar seu cigarro sem ser incomodado.














Senhor Oscar Lima, nasceu em 1936. Iniciou o trabalho na Ferrovia Madeira Mamoré em 1953, isso com quase 17 anos. Tem muita história para contar. É uma biblioteca ambulante. Meia hora de conversa com ele, pude aprender muita coisa. Um senhor sem estudo, porém prestativo e educado. Atualmente, tem a função de cuidar das ruínas. Seu papel é não deixar que pessoas furtem partes ou peças das locomotivas. Ele concorda que os governantes deveriam reativar a ferrovia para fins turísticos. Ele disse que atualmente, a Praça Madeira Mamoré pertence à prefeitura, deixou de ser responsabilidade do estado.
Esse documentário nos dá a ideia de como está a atual situação da Praça Madeira Mamoré e a EFMM. Documentar é uma ação da pesquisa. Tem como finalidade levantar dados atuais e contrapor com informações históricas. A partir desse levantamento de dados. Elaborar-se-á a problemática em um nível mais científico. Isto é, será elaborado um artigo com o tema EFMM (Estrada de Ferro Madeira Mamoré).
Elisandro Félix de Lima. Formado em Letras e Pós-Graduando em Gramática Normativa da Língua Portuguesa, pela UNESC - Faculdades Integradas de Cacoal. Professor Tutor dos cursos a distância da UNISA: História e Administração.

Comentários

Teoliterias disse…
Elisandro, que bom que fui o primeiro a comentar;
maravilhos documentário; bem ao estilo on the road;

parabéns e quero estender-lhe o convite oficial para mais textos; sua contribuição é importantíssima; abraços do amigo
parabéns um lindo documentario,um abraço
Daniela Bernardo disse…
Parabéns pelo documentário,fico orgulhosa por ser umas das primeiras pessoas a ver as fotos e ouvir uma minuta do que seria o texto
Anônimo disse…
Muito bom Elisandro, voce foi claro e abjetivo, uma narrativa cinematográfica. Viajei junto contigo neste documentário. VA EM FRENTE.
Anônimo disse…
Perdoe o erro dactilográfico, eu quis escrever; claro e OBJETIVO!!
Mariela Queiroz disse…
Elisandro: foi por acaso que visitei o Teoliterias e li o teu documentário sobre a Madeira Mamoré. Moro no sul, mas estive várias vezes em Porto Velho; apenas em 2009 tive oportunidade de conhecer a praça, barracões e locomotivas da EFMM. Confesso que me apaixonei e, como tu, também lamentei o fato de tudo estar em ruínas, entregue ao descaso. A minha câmera foi capturando todas aquelas imagens, não só da MM, mas também dos Mirantes, das avenidas do centro, da estrada do Nacional. Acabei de escrever um livro que, até certo ponto, é um documentário onde tenho a expectativa de mostrar aos brasileiros do sul essa maravilha centenária e, talvez, conseguir assim chamar a atenção para ela. Por essa razão gostaria de trocar algumas ideias e informações contigo. Ficarei muito feliz se me aceitares como amiga. Mariela (ecodesenho@gmail.com)