TRANSLEITURAS SEMIÓTICAS: RECORTANDO ISOTOPIAS TEMÁTICAS NA IDENTIDADE "CONSCIÊNCIA"
A "CONSCIÊNCIA" E SEU PODER TEMÁTICO: ISOTOPIAS DISPERSAS EM TEXTO E IMAGEM
By Rômulo Giácome
Muito se tem dissertado sobre a consciência, ausência dela ou má formação da mesma, no tecido da linguagem e do discurso; inclui-se aí a tessitura das potência fóricas de determinação de sentido, como o não-ser, não-poder ou não-fazer, elementares na construção desta consciência. Acrescentemos também a larga profusão literária do tema em "CRIME E CASTIGO" de Fiodor Dostoiévski, extremamente debatido nas lâminas da crítica literária e até da própria psicologia e psicanálise Froydiana.
De todo o modo, a consciência está eleita como uma categoria de primeiro time nas universalizações e tematizações literárias contemporâneas, podendo ser vista como dor psico / física, na medida que instaura um discurso auto-destrutivo sobre o sujeito. Esta dor é fruto de sua ação extra-cultural, como navalhas cortantes sobre a intensidade da moral e valores ainda consolidados na psique das personagens, que acionam fatos e atos configuradores da auto-flagelação.
Por outro lado, a consciência é o teto físico da religião, que fora dela tem a intensidade material mais forte do que a fé e mais devastadora que a crença, nascendo um feto horripilante chamado culpa.
A arte, com seus diálogos modulares, ou seja, sobrepondo códigos expressivos por sobre a camada viva das tensões, lampeja a realidade submersa, sinalizando indicialmente, aos mais preparados, a força dialética que gera energia viva, humanidade e saber real.
Esta dialética, quanto tratamos de consciência, é a sinergia entre a potência do fazer-sem-razão(razões) para o poder-não-podido-fazer, que evoca a intensidade do outro eu: forte, mais intenso e condutor da verdade, o carrasco que assola, visceral e apaixonado.
A figura do carrasco é tambem a figura animal do medo, do devastador e devastadores monstros da verdade, que potencializam o abstrato. Como nesta tela de GOYA (O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS)
A figura do carrasco é tambem a figura animal do medo, do devastador e devastadores monstros da verdade, que potencializam o abstrato. Como nesta tela de GOYA (O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS)
Nela o medo é materializado pelo olhar trans/egípcio das formas humano / animais / noturnas / felinas. No desdobrar do tudo pode ver, sob a âncora da onisciência mística do medo. Medo: nada mais que a projeção de outro eu, um espelho de inferioridade sobre o oculto, o indefinível, previsível na noite, na penumbra e na lembrança da morte. A noite é o altar do isolamento e da solidão; na cama, um encontro consigo mesmo, abre a arca e exala a fragrância seminal do desconhecido. AUGUSTO DOS ANJOS celebrou a vicissitude do sono e da solidão; da parede intransponível da razão, apenas a consciência penetra no vácuo do habitual, do rotineiro. Esta presença fantasmagórica e material é o MORCEGO.
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
A busca da isotopia perfeita para engendrar a força vital desta categoria nos faz recorrer a carga semântica de "outro", poderosa forma externa de cobrança do culposo, do peso, do externo, das forças extensivas que assolam a consciência. Desde a abertura do portal da razão pelo sonho, onde os monstros e seus olhos felinos (GOYA), ferramentas da culpa, até a mordida sanguinolenta do morcego, na goela escaldante de líquido seminal (AUGUSTO DOS ANJOS), chegando nos para-quedas de Jack Kerouac (LIVRO DOS SONHOS), belíssimas formas plásticas de levesa x peso, sentido x insanidade de uma mente pop. Estes para-quedas que caem, soterrando partes ainda claras da mente enegrecida. (JACK KEROUAC)
VAGAMENTE O SONHO É ANGUSTIANTE. O grupo formado por nós está num lugar ao ar livre, rodeado por uma multidão de espectadores que presencia um imenso ato de espírito de camaradagem e solidariedade, enquanto cada um de nós (apesar da naturalidade com que se conversa, sem parar, quase alegremente) se reveza na posição central do círculo para receber o impacto, apesar de bastante suave, do pára-quedas que vem descendo lá do céu, uma espécie de aríete mental e desentimento de culpa, só que verdadeiro, concreto e então assumo meu lugar, bem na última hora, quando um de meus amigos insiste: "Jack, é a tua vez" paro ali embaixo e aquilo se despenca lá de cima; branco, imenso, adejante, provocando um calafrio instantâneo no meu crânio, em algodoado reconhecimento (...) se ergue de novo, saltando para o alto e muito longe, quase a perder de vista, onde recomeça a descer para a terra. (O LIVRO DOS SONHOS, p.152)
As representações culturais italianas, como que fornos de um grande pão material e iconoclasta da cultura renascentista, demarcou o grande "delito infame" da humanidade. O ápice da conduta vertiginosamente maléfica, que pode ser traduzida em itsunamis de efeitos de culpa e consciência. A CAPELA SISTINA sempre deve ser relembrada como ornamento estético desta faceta cultural, deflagrada pelo movimento de "crime". MICHELÂNGELO (CAPELA SISTINA)
As representações culturais italianas, como que fornos de um grande pão material e iconoclasta da cultura renascentista, demarcou o grande "delito infame" da humanidade. O ápice da conduta vertiginosamente maléfica, que pode ser traduzida em itsunamis de efeitos de culpa e consciência. A CAPELA SISTINA sempre deve ser relembrada como ornamento estético desta faceta cultural, deflagrada pelo movimento de "crime". MICHELÂNGELO (CAPELA SISTINA)
Mas a consciência, enquanto elemento estranho, enquanto "outremização" necessária, se faz presente na folha da parreira, nas inúmeras folhas de parreira e ardilosas "fugas", demarcadoras da consciência, espalhadas pela arte ocidental, pela cultura, pelo pensamento humano / religioso do enorme pecado capital. A maior de todas as culpas deveria estar sustentada de uma leitura dogmática; como um fígado gorduroso, repleto de dogmas ensebados, a leitura da culpa cristã é uma alegoria do silêncio.
Por outro lado, que consciência mais devastadora aquela que cunhou a culpa no empíreo, na maior e nas mais tensas batalhas literárias que o ocidente já viu? Que consciência mais aguda e profunda, senão aquela que gera a culpa pelo maior pecado da humanidade, aquele que fez com que todos pagassem pelo crime da infâmia e do desaviso. O Adão de JOHN MILTON é um homem assolado pelos tentáculos pontiagudos e sanguinolentos dos efeitos do seu ato. "PARAÍSO PERDIDO" é um ícone literário das potenciais "desastres da inconsciência", do amor sobre a ordem, do instinto e curiosidade sobre a lógica. Retensão que se esvai pelos lados, tais quais barragens de água que não contém toda a matéria forte e instável da água que, busca em cada milímetro espaço para crescer e explodir e força.
Em Milton, há um trecho colossal do poema épico que vem erigir o monumento da visão racional da consciência. O instante em que os olhos da razão percebem o maldito, o malfeito. E depois, somente o mal-agouro.
"De Adão tira Miguel a névoa aos olhos
devida de Satã as vis promessas
que, de sabor do proibido fruto
mais longa e clara vista lhe auguravam
Então os nervos ópticos lhe alimpa
e a ver altos portentos lhos adapta
de arruda e eufrásia aos sucos ajuntando
três gotas que da vida à fonte apara
de Adão aplica aos olhos tal colírio"
(PARAÍSO PERDIDO, p. 457)
Neste momento diáfano, Miguel projeta a lança da Consciência na rutilância desesperança de Adão, confrontando forças distensas e propensas na conversão entre o certo e o errado. Miguel lhe mostra a cena apocalíptica de uma terra sensível às dores do mundo; de uma terra com necessidade de fecundação e esforço. De uma terra devastada pela culpa do ato original, apregoada pelo dilúvio, pela morte e pela traição. E logo, o amálgama da culpa surge, ilhado no Empíreo.
"Desgraçadas visões
quanto melhor me fora outra noite
os quadros me escondestes do futuro
das desgraças somente assim sofrerá
o quinhão meu, gravame assaz custoso;
mas hoje em peso sobre mim recaem
todas que destinadas se reservam
ao castigo de séculos sem conto
(PARAÍSO PERDIDO, p.475)
Poderíamos ficar nos degladiando com a teoria e lançando mais e mais camadas de tensões conflitivas e pulsantes da consciência sob o eixo da arte visual e verbal; como anéis saturnianos em diáfanas tonalidades e feições, a angústia é material e espiritual, pois se comunicam na tessitura plana do discurso artístico, em uma simbiose de forças representativas que sempre buscam as camadas mais profundas dos sentidos, as discorrências etéreas e que pulsam, latentes, no âmago da existência.
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