RESENHA DA OBRA “INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO DISCURSO” CAPÍTULO I – HELENA H. NAGAMINE BRANDÃO
CAPÍTULO
I – ANÁLISE DO DISCURSO
1
ESBOÇO HISTÓRICO
Este trabalho tem por
finalidade apresentar ao público leitor um resumo sintético sobre a Análise do
Discurso (AD) do ponto de vista da autora Helena H. Nagamine Brandão em sua
obra
Introdução à análise do discurso em
segunda edição publicada em 2004.
A princípio devemos
considerar que a linguagem é um sistema de significação da realidade, como um
distanciamento entre a coisa representada e o signo que a representa; sabendo
que esta distância entre a coisa e sua representação sígnica é que reside a ideologia.
Daí, consideramos que o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos
fenômenos lingüísticos é, portanto, o discurso:
A linguagem enquanto
discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento
de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é
interação, é um modo de produção social. Ela não é neutra e nem natural, por
isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. (BRANDÃO, 2004, p.11)
Os anos 50 foram decisivos
para a construção de uma análise enquanto disciplina. De um lado surge o
trabalho de Harris (1952) Discurse Analys,
que mostrou a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas meramente à
frase. (BRANDÃO, 2002. p 13)
Segundo Brandão (2002), a
princípio existiram duas obras diferentes, embora importantes e seminais para a
análise do discurso: A primeira, considerada um marco inicial da análise do
discurso, (a obra de Harris, já citada, que se coloca ainda como simples
extensão da Linguística); e a segunda, a obra de Benveniste, a qual afirma que
o locutor faz uso do aparelho formal da língua para enunciar sua condição de
locutor por índices específicos.
A primeira obra se volta
para o procedimento de análise de unidade da língua, dos enunciados e
situando-se fora de qualquer reflexão sobre as significações e as considerações
sócio-históricas que vão distinguir e marcar a análise do discurso. Por outro
lado a outra é voltada para o foco da relação que se estabelece entre o
locutor, seu enunciado e o mundo: relação que estará no centro das reflexões da
análise do discurso, em que o enfoque da posição sócio-histórico dos
enunciadores ocupa um lugar primordial. Ambas as obras citadas acima são
consideradas importantes, pois segundo Orlandi (1986) apud Brandão 2002), essas
duas direções marcariam duas maneiras diferentes de pensar a teoria do
discurso. Ainda Segundo Orlandi (1986):
Há duas maneiras
diferentes de pensar a teoria do discurso: Uma que a entende como uma extensão
da linguística e outra que considera o enveredar para a vertente do discurso o
sintoma de uma crise interna da linguística, principalmente na área da semântica.
(BRANDÃO, 2004, p. 14)
Contudo, acredita-se que
ambas contribuem para que a análise do discurso ocorra em seu âmbito natural e
real semântico, podendo assim trazer ao espaço linguístico o conteúdo implícito
que está além da frase propriamente dita.
Na frança, com o Estruturalismo,
os intelectuais enxergaram uma articulação que se fazia entre a linguística, o
marxismo e a psicanálise. Neste interstício, a AD nasceu tendo como base a
relação entre linguistas, historiadores e psicólogos.
Contudo, inscrevendo em um
quadro que articula o linguístico com o social a AD vê seu campo estender-se
para outras áreas do conhecimento e assiste a uma verdadeira proliferação dos
usos da expressão análise do discurso. Para Brandão (2002), ocorrem no interior
da AD dois quadros que se inter-relacionam, a saber: o linguístico e o
socio-histórico, em que se formam dois conceitos, o de cunho ideológico e o
outro discursivo:
As duas grandes
vertentes que vão influenciar a corrente francesa de AD são do lado da
ideologia os conceitos de Althusser, e do lado do Discurso as ideias de
Focault. É sobre a influência dos trabalhos desses dois teóricos que Pêcheux,
um dos estudiosos mais profícuos da AD elabora seus conceitos. (BRANDÃO, 2004,
p.18).
A ideologia sempre
apresentou variadas interpretações no que diz respeito ao seu real significado.
Chauí, apud (BRANDÃO, 2004) diz que o termo ideologia foi criado pelo filósofo Destrutt
de Tracy, e têm como sinônimo a atividade científica que estudava a faculdade
de que o indivíduo era dotado de pensar e da relação do corpo com o meio
ambiente. Em Napoleão a palavra adquiriu sentido pejorativo, em que os
franceses eram taxados de abstratos, perigosos e que ofereciam risco ao poder
vigente, em que também eram acusados de serem causadores da desordem do sistema
sociopolítico da época.
2
A IDEOLOGIA
2.1 MARX
Marx e
Engels identificam a ideologia com a separação que se faz entre a produção das
ideias e as condições sociais e históricas em que são produzidas. A produção de
ideias, de concepção e da consciência liga-se, a princípio, diretamente e
indiretamente à atividade material e ao comércio material dos homens, como uma linguagem
da vida real. Para Marx e Engels, o que as ideologias fazem é colocar os homens
e suas relações de cabeça para baixo como ocorre com a refração da imagem numa
câmara escura.
Metaforicamente, essa
invasão de imagem, isto é, o “descer do céu para a terra em vez de ir da terra para
o céu” que ele denuncia nos filósofos alemães, representa o desvio de percurso que
consiste em partir das ideias para se chegar à realidade. (BRANDÃO, 2004, p.
20).
Para
Chauí apud Brandão (2002), segundo a concepção Marxista, a ideologia é um
instrumento de dominação de classes porque a classe dominante faz com que suas
ideias passem a ser medidas de todos, com a visão de que o termo ideologia
parece estar reduzido a uma simples categoria filosófica de ilusão ou
mascaradamente da realidade social, a ideologia a que se refere é, portanto,
especificamente a ideologia da classe dominante.
A ideologia
organiza-se como um sistema lógico e coerente de representação e de normas ou
regras que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e
como devem pensar o que devem valorizar o que devem sentir o que devem fazer e
como devem fazer. (BRANDÃO, 2004, p. 22)
2.2 ALTHUSSER
Em
Althusser a ideologia é a maneira pela qual os homens vivem a sua relação com
condições reais de existência, e essa relação é necessariamente imaginária.
A
existência da ideologia é, portanto, material, porque as relações vividas, nela
representadas, envolvem a participação individual em determinadas práticas e rituais
no interior de aparelhos ideológicos concretos. Em outros termos, a ideologia
se materializa nos atos concretos, assumindo com essa objetivação um caráter
moldador das ações. (BRANDÃO, 2004, p. 25).
Portanto,
em seu ponto de vista, o imaginário é o modo como o homem atua e relaciona-se
com as condições reais de vida.
2.3 RICOEUR
Paul Ricoeur
chama atenção para não se fazer uma interpretação ideológica redutora em termos
das classes sociais, justificando o interesse da classe dominante. Ele classifica
ideologia em três categorias: a primeira é função geral que perpetua um ato
fundador inicial; é dinâmica e motivadora, também simplificadora e esquemática,
além de operatória e não temática. Poderíamos dizer, também, que é intolerante,
devido à inércia que parece concretizá-la.
Nesse sentido, ideologia é a conservação e resistência às
modificações. O novo põe em perigo as bases estabelecidas pela se reconhecer e
se reencontrar na comunhão das mesmas ideias e práticas sociais. A ideologia
opera, assim, um estreitamento das possibilidades de interpretação dos
acontecimentos. (BRANDÃO, 2002, p.26)
A
segunda categoria de ideologia classifica-se como função de dominação. É o
momento em que se cruzam a ideologia-integração com a ideologia-dominação, que
possuem um caráter de distorção e de dissimulação.
A
terceira Ricoeur diz que é tornar a imagem pelo real e o reflexo pelo original.
Nas diferentes formas de conceituar a ideologia, percebe-se que ela oscila
entre duas opções que determinam diferentes maneiras de abordar a relação
linguagem-ideologia: uma ligada à tradição marxista, preconizando o discurso
ideológico (que de alguma forma serve para legitimar o poder de uma classe
social). A outra se define como uma determinada comunidade social numa
determinada circunstância histórica.
3 LÍNGUA, DISCURSO E
IDEOLOGIA
Foi em 1977, através de Pêcheux, que
surge a crítica contraditória à Focault, apresentando uma teoria materialista
do discurso.
Esta
crítica aponta três tendências:
-
A formalista-logista por intermédio
da estrutura linguística das teorias gerativas através dos “[...] trabalhos da
escola de Port-Royal (CHOMSKY, FILLMORE, LAKOF, MCCAWLEY)”. (BRANDÃO, 2006.
p.39);
-
A histórica ou linguística histórica
conhecida desde o século XIX por Brunot e Meillet, que após diversas variações
e mudanças passou a ser conhecida como “geo, etno, sociolinguística (M. Cohen,
V. Weinreich, Labov e de um ponto de vista menos teórico, B. Bernstein).”
(BRANDÃO, 2006, p.39)
-
E, finalmente, a linguística da fala;
sua primazia está na enunciação, na mensagem, no texto, no discurso etc., por
enfocar e dissecar a comunicação apresenta apreensões quanto à retórica e a
poesia. Assim passa a ser considerada uma contravenção do desvio e passa a ser
vista como uma “linguística do diálogo como jogo de afrontamento (R. Jakobson,
Benveniste, Ducrot, Barthes, Greimas, Kristeva)”. (BRANDÃO, 2006. p.39)
Deste modo, percebe-se que o olhar formalista /
estruturalista, ao fragmentar a língua como objeto científico e social, a tem como
composição de características morfológicas e sintáticas interligadas aos elementos
e lugares linguísticos.
[...] a preocupação
de Pêcheux é inscrever o
processo discursivo em uma relação ideológica de classes, pois reconhece,
citando Balibar, que, se a língua é indiferente à divisão de classes sociais e
a sua luta (daí a relativa autonomia do sistema linguístico), estas (as classes
sociais) não o são em relação à língua a qual utilizam de acordo com o campo de
seus antagonismos. (BRANDÃO, 2006. p.41-42)
No
entanto, o processo discursivo tem como base a produção de sentido,
proporcionando a emersão de significações e constituindo os sentidos na
formação discursiva, bem como a ideológica e, assim, fomentando bases da teoria
da análise do discurso.
3.1 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO
Courtine
(1981), após denominar que as condições
de produção[8]
deveriam ter requisitos, as enumera em uma tríade, dispostas em: Análise Psicológica
social, seguida dos estudos da Sociolinguística e suas variações "o estado social do emissor, o estado
social do destinatário, as condições sociais da situação de comunicação” (BRANDÃO,
2006, p.43) as quais seriam responsáveis pelas condições de produção do
discurso; e foi através do texto Discourse analysis (1952) de Harris que
foi perceptível os primeiros vestígios de CP (Condições de Produção) presentes
em frases "que foram pronunciadas ou escritas umas em seguida das outras
por uma ou várias pessoas em uma só situação" (BRANDÃO, 2006, p.43).
A primeira tentativa para a explicação científica da
construção da significação a partir da CP foi apresentada por Pecheux, em 1969,
por meio da estrutura informacional da comunicação, organizada por Jakobson,
que expôs “[...] a vantagem de colocar em cena os protagonistas do discurso e o
seu ‘referente’, permitindo compreender as condições (históricas) da produção
de um discurso.” (BRANDÃO, 2006, p.44). Podemos acrescer de que
[...] a contribuição
de Pêcheux está no fato de ver nos protagonistas do discurso não a presença, a
física de "organismos humanos individuais”, mas a representação de
"lugares determinados na estrutura de uma formação social, lugares cujo
feixe de traces objetivo característicos pode ser descrito pela sociologia.
(BRANDÃO, 2006, p.44)
Portanto
é
[...] no discurso, as relações entre esses
lugares, objetivamente definíveis, acham-se representadas por uma série de
"formações imaginárias" que designam o lugar que destinador e
destinatário atribuem a si mesmo e ao outro, a imagem que eles fazem de seu
próprio lugar e do lugar do outro. Dessa
forma, em todo processo discursivo, o emissor pode antecipar as representações
do receptor e, de acordo com essa antevisão do "imaginário" do outro,
fundar estratégias de discurso. (BRANDÃO, 2006. p.44)
Helena
Hathsue Nagamine Brandão (2006) expõem que para Courtaine (1981) as tentativas
de Pecheux deram início às discussões, mas foi nas teorias de Courdesses, em
meados de 1971, por meio dos discursos de Blum e Thorez que percebe-se a
Passagem contínua da
história (a conjuntura e o estado das relações sociais) ao discurso (enquanto
tipologias que nele se manifestam) pela mediação de uma caracterização
psicossociologica (as relações do indivíduo ao grupo) de uma situação de
enunciação. (BRANDÃO, 2006, p.45)
Logo,
é perceptível que
[...] a relação entre
língua e discurso, midiatizada pelo psicossociológico, apaga as determinações
propriamente históricas, fazendo com que a caracterização do processo da
enunciação em cada discurso não seja relacionada ao efeito de uma conjuntura,
mas às características individuais de cada locutor ou ainda as relações
interindividuais que se manifestam no seio de um grupo. (BRANDÃO, 2006, p.45)
Courtaine (1981) nos
apresenta que as Condições de Produção não podem ser atraídas pelas ações
psicológicas originadas pelo histórico do discurso ou por singelas
circunstâncias, mas que a interação entre os “sujeitos do discurso”, que então
passaram a se interagirem e estabelecer analogias discursivas, passando assim a
uma teorização de que a CP está “alinhada a análise histórica das contradições
ideológicas presentes na materialidade dos discursos e articulada teoricamente
com o conceito de formação discursiva”. (BRANDÃO, 2006, p.45)
4 FORMAÇÃO IDEOLÓGICA E
FORMAÇÃO DISCURSIVA
A materialidade ideológica
se concretiza no discurso e sua articulação possui dois conceitos: a de
formação ideológica e a de formação discursiva. Para Pêcheux (1977) o discurso
que interessa ao materialismo histórico está ligada à superestrutura
ideológica, à produção dominante e à formação social considerada.
Na
reprodução das relações de produção, uma das formas pela qual a instância
ideológica funciona é a da “interpelação ou assujeitamento do sujeito como
sujeito ideológico”. Essa interpelação ideológica consiste em fazer com que
cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao contrario , tenha a
impressão de que é senhor de sua própria vontade) seja levado a ocupar seu
lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social. (BRANDÃO,
2006, p. 46)
O discurso é
uma qualidade da ideologia, e o discursivo pertence ao gênero ideológico que
leva em conta uma relação de classe, determinando o que deve ou não ser dito. A
formação discursiva envolve dois tipos de funcionamento: a paráfrase, que é um
texto retomado e reformulado em busca da preservação da identidade. Segundo
Pêcheux (1977 apud BRANDÃO, 2006) o outro é pré-construído é um ponto de
articulação da teoria do discurso com a linguística.
O
conceito de FD regula, dessa forma, a referência à interpelação/ assujeitamento
do individuo em sujeito de seu discurso. É a FD que permite dar conta do fato
de que de que sujeitos falantes, situados numa determinada conjuntura
histórica, possam concordar ou não sobre o sentido a dar às palavras, “falar
diferentemente falando a mesma língua”. Isso leva a constatar que uma FD não é
“uma única linguagem para todos” ou “para cada um sua linguagem”, mas que numa
FD o que se tem é “várias linguagens em uma única”. (BRANDÃO, 2006, p. 49)
REFERÊNCIAS
HELENA, H.
Nagamine Brandão. Introdução à Análise
do Discurso, Campinas, SP: Editora da Unicamp, Ed. 2004 e 2006.
[1]
Orientador da resenha e professor da disciplina de Linguística Geral
[2]
Acadêmica do sexto período de Letras/UNESC
[3]
Acadêmico do sexto período de Letras/UNESC
[4]
Acadêmica do sexto período de Letras/UNESC
[5]
Acadêmico do sexto período de Letras/UNESC
[6]
Acadêmico do sexto período de Letras/UNESC
[7]
Acadêmica do sexto período de Letras/UNESC
[8]
A qual será referida pelas siglas C.P.
Comentários
Blog para quem tiver interesse em publicar textos e realizar discussões acerca dos trabalhos desenvolvidos em AD, no Brasil.