Filme - “GAROTA EXEMPLAR” E A METÁFORA DO CASAMENTO EXEMPLAR
“GAROTA EXEMPLAR” E A METÁFORA DO CASAMENTO EXEMPLAR
by Rômulo Giácome
Garota exemplar é um thriller de suspense e ação, que tanto pode ser utilizado em um escopo psicológico quanto jurídico. No entanto, acaba afundando, pesado que é, nos subterrâneos de uma consciência dura e certa: a de que o casamento é sempre um encontro de desencontros, e um pacto tácito de dúvidas entre o ser e o parecer do outro.
Sua qualidade enquanto representação, enquanto produto final de um signo metafórico, espelha um intricado jogo de espaços entre personagens, atuantes de um casamento transformador. A disputa destes espaços, um e outro invadindo e recuando, atuando ou disfarçando, neste palco chamado casamento. O filme é a dramatização processual e alegórica da própria representação do real frente ao conceito construído de casamento. Em si mesmo está inerente a própria essência do relacionamento, encrustado no drama.
O ciclo de
reflexão do filme é aberto na primeira cena; Amy está com a cabeça sobre o colo
de Nick, com a face virada e somente seus cabelos aparecem; ele pousa sua mão
sobre seus cabelos e, carinhosamente, acariciando-os, comenta: “o que fizemos
de nós”; neste momento ela se vira e deixa seus olhos penetrarem em Nick,
subtendido na perspectiva da câmera que narra.
Esta é a cena start da trama e de seus significados
intencionais; a pista da importância desta cena está confirmada quando é a
mesma que conclui o filme; desta ignição, cada um vai se apresentar sobre
o fato insólito que é o motor da trama: o sumiço de Emy. Em camadas e ciclos,
cada parte (marido, irmã e esposa) vão sendo apresentados, em caixinhas abertas
no decorrer da película, como em um ciclo de pistas e etapas, em que se
descortinam o real da personalidade dos actantes sob a face aparente.
As caixinhas
vão sendo abertas, e tudo que parecia perfeito, um casamento perfeito, se
mostra um jogo intricado de comportamentos e segredos, descortinados em fases:
Nick, abrindo as costuras dos segredos de Amy; depois Amy, em uma sacada
semi-previsível, expondo os flancos de Nick; Amy, a controladora, ambiciosa e egoísta?
Nick, violento, comprador compulsivo e preguiçoso? Traidor? Quem são e serão?
Mas dentro do jogo, será necessário saber?
As lacunas vão
sendo preenchidas por um narrador individual, como em Nick, tal qual um
Bentinho, de Dom Casmurro (machad de Assis) disposto a falar e lutar pela sua liberdade; mas do outro lado do
ringue narrativo temos também “Capitu”; mais viva do que nunca, encarnada em
Amy, com capacidade de fazer tudo, tudo mesmo, por algo que ela acredita.
Os espaços
ocupados no relacionamento, neste contrato tácito chamado casamento, exige o
ser real? Ou o personagem aparente, escondido sobre as camadas dos rituais
necessários, dos templos sociais e da inércia do sentimento, que também amordaça
e constrói simulacros?
Ante a
possibilidade de se arrebentar, sendo você mesmo, diante de um muro de
realidade dentro do espaço real chamado casamento, ou se equilibrar, como um
acrobata sanguíneo, na corda bamba do picadeiro deste ritual; o filme opta por
visualizar os efeitos disso tudo, e verificar que entre as brechas destas
decisões, circulam um tipo de vento alísio frio, que mantém os corações alertas
e a liga deste cimento todo: seria o amor?
Filme obrigatório.
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