NENHUM DE NÓS - REVISITANDO
O SHOW ME LEVA A ENTENDER UM POUCO MAIS DA OBRA DESTA BANDA. O QUE ACABOU POR ME PROJETAR EM UM CAMINHO DE REFLEXÃO SOBRE O CONSUMO DE ARTE E O FALAR DA JUVENTUDE ONTEM E HOJE.
Na ocasião do show da banda Nenhum de Nós aqui em Cacoal, imperdível por sinal, tornou salutar voltar e pesquisar um pouco mais sobre esta banda dos anos 80 e 90.
Primeiramente, sempre analisamos uma banda de Rock Pop dos anos 80 como portadora de muitos hits. Volvendo a memória, o que me antecipei a pensar e lembrar foram dois grandes hits: "Camila" e "Astronauta de mármore"; esta última, uma versão de David Bowie.
O show foi acontecendo, limpo e sem angústia, sem excesso, quando surge "Amanhã e depois"; aquela ponta de Rock nacional já começa a cintilar, principalmente em nossas lembranças locais. Logo depois começa "julho de 83" e aquela sensação de deja vu. Quando soa o extasiante e apoteótico começo de "Sobre o tempo", aí já não tem mais jeito e é possível concluir: caralho! o rock nacional tem seu zagueiro ali na frente!
Sobre isso é interessante refletir. O quanto consumimos a arte de maneira desrespeitosa! muitas músicas destas relatadas, pulsantes em coletâneas, pulverizadas em pendrives e hds, como fenômenos sem autores, sem história e contexto. A era digital impele um despreparo ao fruir a canção, retirando-a de seu contexto e de sua liturgia. Des-historicizada, a canção é apenas um hit; assim como a arte sem entendimento e leitura é inútil. O entendimento da canção, desde sua letra, preparo, disco, inclusão contextual, comentários, lendas, e todos os aportes que dão singularidade à produção musical.
Assim, o show me fez pensar sobre isso e ir um pouquinho mais no entendimento da obra de Nenhum de Nós. E acabei por ter grandes surpresas, principalmente por desconhecer muitas de suas músicas. Me deparei com "Eu caminhava", com sua levada The Smiths e sua letra bacana. Encontrei "Fuga" e "Sinais de Fumaça", assim como a niilista "Jornais". Caramba. Além da punk "Cardume".
E destas audições despretensiosas, uma leitura literária é quase impossível de evitar. Da minha leitura, ainda conspícua, se desdobra em dois pontos:
O primeiro é o tempo. Claro que faço um recorte arbitrário e não científico. No meu recorte o tempo ficou latente. A discussão da temporalidade é algo salutar. Tanto o tempo da ordem temática "Amanhã e depois", quanto do ponto de vista de categoria de discussão. Ou modalidade de pensamento, conduzindo às incertezas do jovem das décadas de 80 e 90. Este jovem adolescente em dúvida, apologista da insegurança e da tristeza. O jovem de "Julho de 83", inseguro e impotente diante de sua gagueira emocional.
A obra inteira de uma vida
O que se move e
O que nunca vai se mover
O tempo engana aqueles que pensam
Que sabem demais que juram que pensam
Existem também aqueles que juram
Sem saber
Existem também aqueles que juram
Sem saber
O niilismo do "acho que não sei quem sou / só sei do que não gosto" não é apenas mais um tropo da fábula cultural juvenil. É a forte categoria axiológica da discussão entre o ser pelo saber.
Acho que era Julho de 83
Eu sempre esqueço do dia
Mas lembro do mês
Mas lembro do mês
As brechas no tempo propiciam habitar as especulações filosóficas. A identidade do adolescente irrompe com contraponto à falta de certezas. O próprio niilismo da negação juvenil seja o próprio código de ressignificação de seus valores. Não lembro o mês, mas foi naquela época que marcou. O dia não interessa, mas sim o momento. O jovem foge do tempo, tanto por identificá-lo como forma de permanência, quanto por oprimi-lo.
Não consigo comparar de maneira mais empobrecedora. O Jovem dos anos 80 sofria da crise e do peso da juventude, obscurecida pela consciência de dúvida e incerteza perante a vida. O jovem de hoje, desta década, com sua cultura da potência, certeza e determinação, ou projeta na cultura (música, cinema, novela) realmente a evolução da adolescência, ou é apenas uma máscara que manipula a visão dos outros e de si mesmo de suas próprias limitações.
Obrigado Nenhum de Nós, pelo belo show e por lembrar-me: a arte nos faz perceber que somos humanos e que estamos vivos.
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