O ROMANCE “NIHONJIN” É UM SAQUÊ DE MIL CORES SUAVES

 

Por Rômulo Giacome de Oliveira Fernandes

Uma trajetória dura e forte dos japoneses que chegaram por aqui e lidaram com toda a diversidade da América, tudo por um retrato particular e sensível, muito detalhado e informado dessa cultura magistral. 


        Nihonjin foi escrito por Oscar Nakasato em 2012, publicado pela editora Benvirá, alcançou prêmios importantes, como o próprio prêmio Benvirá e o almejado 54º Jabuti. Essas credenciais tornam fácil a primeira fase de uma apreciação de romance, pois legitimam o fiel da balança da crítica pelo lado positivo da obra, e de sua aclamação pelo crivo de porção dos que tem o poder de estimular ou esmaecer uma obra e sua trajetória. Dado essa premissa, fica em observação a aclamação do público, que pode ser medida em nível de comentários ou notificações e / ou número de vendas, dados que infelizmente não tenho, mas pretendo potencializar nas próximas resenhas. 
        
         Nihonjin é uma obra que tem como pano de fundo a imigração japonesa no Brasil, principalmente advinda para a colheita de café e da fuga de japoneses da crise e da segunda guerra mundial, que inseriu o Japão em uma grande garganta mortal de declínio. A narrativa possui como enredo básico duas gerações de imigrantes, representada basicamente pelos avós do narrador, detidamente em seu avô, um típico Nihojin (nascido no Japão e que assume a cultura do país). Seu nome é Hideo Inabata e sua trajetória é um registro particular e poético do conflito cultural entre Japão e Brasil. 

      Levando em conta a força e pressão narrativa empenhada no processo de transformação do protagonista, temos níveis de progressão de competência de Hideo desde seus dois casamentos, (o primeiro um registro poético e sensível da primeira esposa, Kimie, com leve traço fantástico) sua relação com a tradição japonesa, o que inclui uma militância radical do Shindo Renmei, até sua evolução de trabalhador braçal nas fazendas de café, passando pelo arrendamento de um sítio junto o sogro, culminando na abertura da loja no bairro Liberdade.

        Todo esse processo de transformação, natural dos agentes narrativos que se colocam em posição de diálogo com o contexto, com outros personagens e situações, compôs em Hideo uma competência de afirmação da cultura japonesa, mantendo os radicalismos dos costumes, que muitos vezes não dialogam com a razoabilidade ou bom senso, como o caso de expulsão da filha por ter fugido com um Gaijin. 

        Além de uma narrativa leve e poética, consubstancializada nas formas icônicas das cores, aromas e elementos tácteis, e do clássico visual, dois pontos fortalecem o romance, de modo a torná-lo acima da média de romances no estilo a que se propõem. 

        O primeiro ponto é a dialética travada entre os costumes japoneses mais radicais, e toda a cultura do novo mundo, da américa, Brasil, São Paulo. O que basicamente é materializado na relação Gaijin x Nihonjin. Esse embate descortina tensões interessantes, inclusive como nova informação. A delicadeza dos dedos femininos japoneses na colheita rústica do café e detrimento da força de trabalho italiana; a comida e os costumes sanitários em contraponto à forma Brasileira de lidar com o alimento, e com as palavras, porque não; a família e o casamento; o patriarcado; a posição da mulher; a relação do Nihonjin com a pátria, com a cegueira ideológica em não acreditar na derrota na segunda guerra mundial dos Kachigumes. E por fim, o radicalismo dos grupos extremistas Japoneses em face ao absurdo constitucional brasileiro em rejeitar a imigração nipônica. E a muitas outras tensões a se explorar e desdobrar, averiguar e refletir, em um cadeirão de saquê, leve e com doses coloridas, mas que pega no primeiro gole, tonteia e leva ao corner. 

        O segundo ponto é a expressão narrativa. O enunciador elegível é o neto, ponto que oriunda os registros e informações da trama, além das visões específicas e parciais da história. Mas implícito nesse enunciador, existe um enunciatário, um “eu” velado, que fala sobre camadas, formas e sons, que dialoga com os fatos e registros visuais, e que por momentos quase fica neutro, submerge na trama, e depois sobe a tona para retomar a parte humana e, de repente, julgar. O que é um narrador senão uma voz judicativa? 

        Indico muito essa obra. Ela é leve e talvez não ressignifique as formas narrativas, ou as técnicas narratológicas que tanto valorizamos, mas elejo alguns pontos que devem merecer atenção dos leitores: a) alguns aspectos da época, históricos digam-se de passagem, são dignos de nota b) é um retrato humano e sensível da imigração Japonesa no Brasil c) leve e alcoólico na medida certa, a narrativa nos leva a tontura exata e o momento de lucidez histórica. Não se enganem com o tamanho e singeleza, existem muitos mistérios à luz do dia. 

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